Thursday, December 3, 2009

e vemos à volta de nós...

E vemos à volta de nós uma multidão de coisas e lousas,
umas mais subornadas do que outras,
e faladas mansamente
para não despertar guerra na justiça.

O demónio então limpa os beiços da gordura
do cabrito tenrinho que acabou de domar.

Força à sua alma.

Eis que de repente

Eis que de repente nos vem à mente
que queremos ser modernos
e cortar a eito como duas espadas
afiadas ao jeito dos tempos.
E falaremos então da vida e da morte naturalmente.
E somos modernos por isso, dizem eles,
por falarmos na morte como se falássemos na vida.
Que mentira pegada essa que nos querem impingir,
esses grandes doutores das várias disciplinas,
até os padres.
Não que me interesse essa questão da morte só por si,
mas porque me querem obrigar a ser moderno
e a pensar na morte com alegria.
Aquela coisa de dispensar a dor e o medo...
É muito bom ser moderno quando isso
manda para a sarjeta o horror de me deixar eternamente.

Alguma vez te calaste porque tiveste medo?

Alguma vez te calaste porque tiveste medo?
Pois eu já, mas não me arrependi,
e esse foi o meu mal maior.
Sabe-se lá porquê!
Mas não é verdade.
Nós sabemos porque as ondas do mar vão e vêm,
sabemos! Porque estamos vivos.
Mas não queremos saber
porque não falamos quando devíamos falar.
Porque nos faz medo de perder
estes benzinhos que são o aconchego de casa,
e esta nossa própria vida que tanto amamos.
Por isso mesmo talvez amemos mais a vida
do que a liberdade.
Foi o preço a pagar
pela domesticação das estrelas.

Thursday, November 26, 2009

num dia vem o outro

num dia vem o outro
o outro o ouro
não gama ouro mas milhões
milhões que são cagalhões

Coitados dos cagalhões
que não valem nada.

Argumenta aqui
argumenta ali
lá vão eles
para os colhões


Mas os verdadeiros
animais
canibais
até comem merda
para viverem na boa vai ela

Você está a perceber
de quem estou falando?
Não percebe.
Se eu lhe disser que falo sobre um tal
gestorbanqueiropoliticopatrão
pequeninofuncionário etc.e tal
de quem falo eu?

Falo dum pedaço de cócó que se chama
a família dos comilões
que andam de carrocel
à custa do imposto
que tu cagas alegremente
na panela desses lordes.

coitados dos magistrados

coitados dos magistrados
que não sei quem são
apenas os meninos
choram do engano
de todos os demais
porque são eles
os demais apenas
não mordem na frente dos cães.

o céu é um buraco negro

o céu é um buraco negro
na cabeça do diabo
a frente da porta branca.

o juiz está de volta
à vez tem de comer
da mesma gamela
dos porcos meninos.

Quantas tempestades
derramam as águas da morte?
mais tarde tudo será resolvido
com uma perna às costas.

Wednesday, November 4, 2009

gamela de porcos

Ao tempo que não escrevo neste meu blogue que anda para aqui esquecido. Lamúrias de mau pagador. Que o diabo o enterre. Com cornos e tudo. Para o fundo dos infernos. Deviam ir cortar as veias que transportam os venenos que nos iludem. É à bomba. Só isso vergaria a ganância. Eu digo: as classes são as da ganância e as da não ganância. Quer dizer que as da não ganância só o são para enganar. Tapem a cara e voltem atrás. Não se enganem no número. Aliás, é bem claro a necessidade de graxa para sustentar a personagem e dar com os pés ou um par de coices nas ventas dos imbecis. Não há nada como despejar a goela entupida. E dos remédios o melhor é voltar à gamela, não da Europa, mas dos porcos.

Saturday, August 8, 2009

olha a bola de berlinde

"Olha a bola de berlinde
é a bolinha de berlinde"


na praia
a mulher
a vender
ora o vento
ora a fome
ora o gosto
repetido
do descanso
água e bolo

as pequeninas pernas

as pequeninas pernas
a correr na areia
atrás da bola
a fugir para o mar

espuma alva
levada pelo vento
a quebrar o sol

Monday, July 6, 2009

as solas deslizam

as solas deslizam na calçada do passeio
de pedras polidas todos os dias.

é preciso ter cuidado,
antecipadamente,
nas ladeiras.

a mentira, envenenada,
escorrega pela garganta.

a morte chega, mansamente,
nem se dá pela vida.

Friday, July 3, 2009

se olhamos não vemos

se olhamos não vemos os músculos do cérebro
perdemos ou ganhamos invisibilidade.

cada parte está molhada com urina de rato
na parte de trás as âncoras apodrecem.

não quero

não quero
lembrar-me
uma vez só
da bala cega

pequeninas coisas

pequeninas coisas
os mortos não sabem
são tão inocentes

graças

graças
de longe
no fundo
de estrelas
iluminadas
e frias
tão longe

mas se virmos bem

mas se virmos bem, a natureza
não sabe das novidades
e reclama o sangue da madrugada

tornados

tornados
e lamas
e ao outro dia
os homens
e os animais
perdidos
na frente

mau mau

mau mau
as cobras têm a fama
e as mortas
não deixam
nada

Friday, June 26, 2009

O negócio TVI / PT



Sócrates veio a terreiro informar que o negócio da TVI com a PT já não se fará, uma vez que fora levantada a suspeita de que o único objectivo de tal engenharia era controlar a linha editorial da estação. Evidentemente que a borbulha foi espremida pelos laranjinhas, coitados, virgens ofendidas, andam à cata de borbulhas nas caras dos outros a ver se os outros se distraem dos seus próprios e grandes borbulhões, caso BPN, o Banco do Cavaquismo, que se veio a ver ser um antro de incompetência e ladroagem. É claro que a gente do PS também não é flor que se cheire, mas trazer à argumentação política um assunto que apenas diz respeito às empresas é lamentável. Por um lado esses que se chamam liberais, da era Friedman, ficam preocupados, vejam só, porque o estado não sabia, não interferiu, quando a doutrina deles é quanto menos estado melhor. É um pau de dois bicos, essa verborreia. Quando é para benefício deles que venha o estado e enterre milhões nos seus negócios incompetentes e falidos. Se for por outra coisa, ai aqui d'el rei, que nos estão tramar. O nosso pessoal político é de um nível muito pobre, à semelhança do país, aliás. Essa gente não assume as suas ideias, antes vão ao sabor dos seus interesses. Agora que se aproximam eleições é preciso criar "casos" para se navegar com terra à vista, aos ziguezagues para não se perderem, ou não perderem as suas benesses.

Thursday, June 25, 2009

os ouvidos

os ouvidos ouvem os gritos
e o estrondo de bombas agarradas aos corpos,
e os olhos vêem a luz sem a ideia dela.

É a terra dos mortos que habitamos.
Os mortos não percebem.

a briga

a briga é sangrenta
na ponta do míssil pinga sangue
gotas de orvalho matinal

Wednesday, June 24, 2009

o regime teocrático do Irão


Neda, morta na rua. Porque quis marcar com a sua presença o que lhe ia na alma, talvez o desejo de liberdade, de respirar a vida.

O regime teocrático do Irão, para não dizer pior, anda a endrominar o seu próprio povo e a tratá-lo muito mal. Ora sabemos que a moral que rege a maioria das sociedades vem do religioso. Como é que essa gente, os chefes da Igreja do Irão, podem justificar perante o seu chefe máximo, que é Deus, precisamente a repressão sobre o próprio povo de Deus, já de vez. Justificam-se com os outros, os externos, aqueles que não fazem parte das suas fronteiras. São, por outras palavras, os demónios. Já vimos isso no outro lado da bancada por parte dos Estados Unidos com o eixo do mal. Portanto, as pessoas e os governos justificam os seus actos bárbaros com os de fora. São esses os bodes expiatórios. Mas será que alguém acredita neles?

Sunday, June 21, 2009

o problema principal

O problema principal é o objectivo:
o pobre quer ser rico;
o rico quer ser mais rico.

Ou então pode-se pôr o problema doutra maneira:
o modo de ver as coisas;
o modo de fazer as coisas.

Matar pode ser visto de duas ou mais maneiras;
morrer pode ser visto também do mesmo modo.

É uma questão de equilíbrio regularizado.

não há memória

Não há memória de amor
só a solidão do universo.

Desde o principio
a vida de cada um
cumpre-se.

Monday, June 15, 2009

como se abre o coração

Como se abre o coração?
as mãos não servem.

Sunday, June 14, 2009

Yves Klein

o desgosto fere a vista

o desgosto fere a vista
e a morte canta vitória
pendurada numa corda
da trave da angústia.

a seguir o corpo
é enterrado
no vazio das almas.

tantos dias iguais

tantos dias iguais
nem o canto dos pássaros
alivia a dor

os senhores do céu

Os senhores do céu
têm de ver em frente
a longa paciência dos dias findos
na raiva fechada
na caverna dos palermas

Friday, April 24, 2009

beira


beira


beira

beira

hoje

Hoje não vi telejornais. O mundo não existe. O mundo está na tua mente. Os partidos não são nada. É difícil dizer isso porque eu queria que fosse falsa essa afirmação. Mas pelo que se vê a vida em vez de ser vida é um jogo e quem ganha é quem define as regras à partida. Deve-se entender este jogo até certo ponto mas nunca o vamos entender porque ele não existe, existe apenas na mente de cada um. Ora se existe na mente de cada um significa que não é coisa palpável antes uma ideia que serve apenas quem percebeu que todas as coisas reais se passam em turbilhão na cabeça das pessoas.

Friday, April 10, 2009

o medo vem do futuro

o medo vem do futuro
para debaixo dos pés
dos sapatos

as mãos estão paradas

o medo faz cócegas

O medo faz cócegas no nariz
do melro negro de bico amarelo

O palavrão saiu a fugir
do cofre forte

a sorte anda a ver

A sorte anda a ver
os gritos paridos

Risca a unha o verniz
parte a unha

a força que tens cai

A força que tens cai
a força que não tens
a força que não tens
a força que não tens

Wednesday, April 8, 2009

Ana Vieira - "In/Visibilidades"




Em 1972 Ana Vieira fez uma instalação em Ponta Delgada, no Externato do Infante, pertença da família de Melo Antunes. A exposição foi feita juntamente com a de outro artista. A instalação foi vaiada pela imprensa local. Victor Cruz Pai fartou-se de ridicularizar a obra. Apesar de tudo eu fiz um pequeno texto deslumbrado que na altura saiu no Açoriano Oriental. A obra chamava-se Ambiente: "Estrutura metálica, rede de nylon, tinta acrílica, mesa, pratos, copos, garfos, facas, foco de luz incidente e cassete".


Hoje, 8 de Abril de 2009, passando por acaso na Rua do Século, deparei com uma exposição de Ana Vieira que se chama "IN/Visibilidade", no muito velho palácio do Marquês de Pombal. Ao fim e ao cabo trata de aparências, uma vez mais, e de jogos entre o real e o ilusório, obrigando a quem vê a tomar partido por duas posições ou por nenhuma uma vez que afinal são apenas uma. Ou seja, a visibilidade ou invisibilidade das coisas pode depender do nosso pensamento ou pode depender do nosso engenho, ou do modo de lá chegar pela utilização de ferramentas: um espelho, uma lupa, uma pilha. É o que nos propõe em poucas palavras.


Estava lá uma senhora e perguntei-lhe se ela era a artista, mas infelizmente não. Porque gostava de falar com Ana Vieira sobre a história passada comigo em 1972 quando ela expôs o seu trabalho em Ponta Delgada. E também em Angra, Velas e Vila do Porto. Porque era no tempo da Cooperativa Sextante, que foi quem promoveu a iniciativa. E eu era, digamos assim, um dos militantes dessa cooperativa. E a PIDE andava de olho nesses artistas de vanguarda, digamos assim, e dos seus promotores. Eu era um dos que ia a fazer de "guia da exposição" por turnos. Ficava lá sentado à entrada da grande sala do externato a guardar a exposição, ou ia abrir a porta, ou fechar a exposição.


De facto gostava de a ter conhecido hoje.


tempo dos séculos novos

tempo dos séculos novos
a caminho das estrelas
com os mesmos dias
e as mesmas noites

é a morte outra vez

É a morte outra vez mais distinta e elegante
que da sofisticação da eutanásia assistida passa
para o arrepio do medo sem estilo e pornográfico:
esburacada, mutilada, torturada, dolorosa.

E os vivos só procuram a morte
nas imagens que passam
como se fosse milagre.

quem é

quem é
duas caras
no espelho
da mentira
e da verdade?
tão difícil saber
o que está no fundo do mar.

há o fim

há o fim
vestido
de marfim

os mortos

os mortos
os vivos
as mãos limpas

Monday, April 6, 2009

espanta não saber

Espanta não saber de nós nada
ainda que nos digam que somos
aquele que vemos ao espelho.
E a vida corre como se
a consciência morresse
nas nossas mãos
sem culpa da morte.

Saturday, March 21, 2009

não deviam ver

Não deviam ver os cadernos abertos e as palavras certas.
No dia seguinte será a verdade um simples raio de luz.
E mais à frente os que morrem não sabem.

cheira palavras

cheira palavras
cheias de mudança

também há um dia de poesia?

Também há um dia de poesia?
Devem estar a brincar.
Não custa nada brincar.