Monday, March 31, 2008

subir

Subir
o silêncio
da serra
quebrado
pelo vento

Numa hora
o mundo
aninhado
nos olhos

Wednesday, March 26, 2008

Não espremeu o veneno

Não espremeu o veneno
e está feito ao bife!

Agora clamam vozes
no horizonte
por causa duma morte
bizarra.

Deus é um perfeito imbecil.
Se soubesse como são feitas as coisas
não arriscaria descer.

a pequena

a pequena
sentada na soleira
agarrava no peito
a boneca de trapos
e o sol da manhã

Tuesday, March 25, 2008

o pouco que se vê

O pouco que se vê
apenas resulta do tempo
igual em cada parte
que faz do todo
a amplidão do nada

os andaimes

Os andaimes dos prédios foram tirados
e uma ordem de ideias mostrou a cara nova
nas principais ruas onde apenas se olha
a pedra o cimento os guindastes
e se deixa ao lado os gestos dos outros
as clemências as fomes as doenças

Ao lado passa alguém e no meio se interpõe
uma visão melhorada das coisas
os lábios os cabelos as flores

Esse alguém não trás nada
apenas trapos e um olhar escondido
no fundo dos seus trastes
e uma incógnita atrás de si
afinal porque vivemos?

esuras nuvens

Escuras nuvens na memória
passam e um dia ficam eternas
e as histórias acabam
aquelas ainda de criança

Saturday, March 22, 2008

ruídos e choques

ruídos e choques de algum
aos solavancos na corrida
levando a mala de rodinhas
vestindo a gabardina branca
atravessa a rua fora da passadeira
e o vento levanta os cabelos
e o pó também surge agitado
francas batalhas no caminho
as transgressões prováveis

causa

Causa de alegria nada.
O chão alcatroado
e as pedras verdes

as grandes árvores

As grandes árvores da avenida: plátanos?...
Mas parecem-me macilentos,
talvez por preconceito.
Os galhos pretos
atravessando a folhagem,
ao longe bem distintos.

Friday, March 21, 2008

tirando

Tirando o dia que é
o resto dá no mesmo
e essa é a função dos dias

O rosto curtido

O rosto curtido e flácido
a descer o sol do pátio

A mais nova
apenas os
luseiros dos olhos
são a alma de combate

um saco de plástico

Um saco de plástico
contém várias coisas

de madeira e artesanalmente

alfaces ovos açúcar
e uma garrafa de brandy

à fente

o homem descontrai-se
à frente da caixa

A dar um pequeno passo
à frente e atrás

A barba por fazer
cresce a olhos vistos

à frente duma grade
de frutas

espreitar a estrada

Espreitar a estrada
disse que sim
e na verdade
nasceu de novo

Monday, March 17, 2008

sakura - palácio (Japão)


Primeiras Crias


... Já começaram a nascer os primeiros filhotes de Periquito! Este ano pus os ninhos na gaiola em Fevereiro e eles não perderam tempo! Já existindo quinze ninhos, todos ocupados. Fenómenos também cá há! Querem saber que fenómeno? Pois bem, já é pela segunda vez que deparo com um dos ninhos ocupado por duas Periquitas ao mesmo tempo! Duas Periquitas irmãs, que desde o ano passado criam no mesmo ninho! Havendo por vezes doze filhotes todos juntos! E acabam por se criarem! Não é um fenómeno? Pois eu acho que sim!!! O ano passado sempre pensei que fosse um lapso delas, embora tenham criado todo o ano juntas! Mas esse fenómeno este ano repetiu-se!
Publicada por Bruno Torres em 13:08 0 comentários
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Sexta-feira, 7 de Março de 2008

Bashô - O Gosto Solitário do Orvalho - Primavera


O texto e a poesia é tirada do livro "O Gosto Solitário do Orvalho", escrito pelo poeta japonês Matsuo Bashô, publicado pela Assírio & Alvim, sendo as versões e introdução de Jorge Sousa Braga.

"Matsuo Bashô (pseudónimo literário de Kinkasu) nasceu em 1644, em Ueno, província de Iga, numa altura em que o Japão era dominado pelos shoguns Tokugawa. O pai era um samurai de escassos recursos.
Com tenra idade entra ao serviço da família Todo. É com o herdeiro desta - Yoshitada - que se inicia na poesia. Abalado pela morte prematura do seu amigo, guarda uma madeixa do seu cabelo e parte para Kioto. É provável que durante os anos que se seguiram se tenha dedicado a estudar os clássicos chineses e japoneses.
Em 1672, encontra-se em Edo (Tóquio). Começa a impor-se como poeta (poemas seus são incluídos em várias antologias). Sampu, um discípulo, constrói-lhe uma cabana, nas margens do rio Sumida. No inverno oferecem-lhe uma bananeira (Bashô, em japonês). Adopta então o seu nome. Conhece o mestre Buccho e dedica-se à prática do Zen.
A sua cabana acaba por ser destruída por um incêndio. Refugia-se temporariamente em casa de um discípulo. Em 1684 parte para a primeira das suas mais longas viagens. Qual nuvem errante vagabundeia então por todo o Japão. Escreve alguns diários de viagens (O Caminho Estreito, O Leque Circular do Outono, o Deserto. São páginas nas quais Bashô se revela permanentemente apaixonado e confere à poesia (em poemas tão breves como o haiku) uma dimensão cósmica, sem paralelo até hoje."
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"O gosto solitário do orvalho




"Primavera


"Farrapos de névoa cobrem os campos e as colinas. Os dias são longos, comparados com os do Inverno, e o vento menos cortante. Quando sobrevem a Primavera, as águas nos vales, assim como as cotovias no céu azul, os pássaros nos bosques e as rãs - essa tribo solene e estridente - enchem o ar de cantos joviais. O mais celebrado é o do "uguisu", um pequeno pássaro do tamanho de um pardal, castanho, com manchas brancas no peito. Aparece quase sempre associado às flores de ameixoeira, da mesma forma que os pardais aos bambus.

Além das ameixoeiras, florescem também pessegueiros, as cerejeiras e as japoneiras. As folhas destas são graciosas e os ramos adequados para os arranjos florais. As flores de cerejeira, com o seu leque de sugestões poéticas, são a flor emblemática desta estação e - mais do que isso - sinónimos do próprio Japão.


"Abrindo de par em par
as portas do palácio:
A PRIMAVERA


Uma velha sem dentes
que rejuvenesce -
cerejeira em flor


Apesar da névoa
mesmo assim é belo
o Monte Fuji


Não esqueças nunca
o gosto solitário
do orvalho


Na baía de Wakanoura
caminhando lado a lado
com a Primavera


Cansado de caminhar
alojei-me
entre as glicínias


Brisa ligeira
A sombra da glicínia
estremece


Uma rã mergulha
no velho tanque...
O ruído da água


Debaixo de uma cerejeira
tudo é servido
decorado com flores


Primavera
neblina matinal sobre
uma montanha sem nome


Acorda acorda
Serás a minha companheira
borboleta que dormes


Ibisco na berma -
Floresce agora
na boca do cavalo


Chuva de flores de ameixieira
Um corvo procura em vão
o seu ninho


Calou-se o sino
O que chega a mim agora é o eco
das flores


Diante das azáleas
uma mulher prepara
bacalhaus secos


De que árvore em flor
não sei -
Mas que perfume


A cada sopro do vento
muda de folha
a borboleta no salgueiro


A uma papoila
deixa as asas a borboleta
como recordação


Não há arroz
mas tenho na malga
uma flor


Flores de cerejeira no céu escuro
e entre elas a melancolia
quase a florir


Rio Mogami -
apascentando as chuvas de Maio
até ao mar


Extingue-se o dia
mas não o canto
da cotovia


Ervas daninhas no arrozal
Depois de cortadas -
fertilizante


Lua cheia:
para repousar os olhos
uma nuvem de tempos a tempos


Flores queimadas pela geada
Os grãos caídos
semeiam a tristeza


Depressa se vai a primavera
Choram os pássaros e há lágrimas
nos olhos dos peixes"

............................


O livro continua com as restantes estações: Verão, Outono e Inverno. Por agora, também em homenagem à Primavera que aí vem, fico por aqui na transcrição. E mais uma coisa. A região do Fundão é rica em árvores que têm esse cariz poético: cerejeiras, ameixieiras, amendoeiras. Mas entre elas todas, é a cerejeira, que agora está a florir, a mais importante árvore da Cova da Beira, e especialmente num vale, o Vale do Alcambar, na freguesia de Alcongosta, nas encostas da Serra da Gardunha. Preparem-se para virem à Gardunha ver a explosão de flores brancas que espantosamente começam a nevar na Primavera nestes socalcos de terra negra, duramente trabalhada.

Sunday, March 16, 2008

é uma ideia

É uma ideia
que começa
aos soluços
e depois transvia-se
para um buraco
negro no meio
do espaço
galáctico

treme a alma

Treme a alma de esperar
pelos olhos dela

se for possível
perceber
os olhos de quem
nos vê
no instante
revolucionário

vou pelo caminho

Vou pelo caminho de terra
esquecido entre os vales
e acho que me lembrei

De uma vez entre as mãos
os limos escorregadios
da rampa de varar barcos

num relógio

num relógio de papel
e berlindes de vidro
as girafas longas
horas a beber
no ângulo certeiro

pode a rotina

Pode a rotina dos dias ser motivo
e quando nas entrelinhas máscaras
de polvos com os braços cortados
pelos bravos caranguejos
no fundo do mar a guerra

Thursday, March 13, 2008

António Salvado (poemas tirados do seu livro 'AO FUNDO DA PÁGINA'

Para que essa pintura de paisagem
com trigais e papoulas
e algumas discretas casas,
vivicantes palheiros,
ficasse efectuada,
deveria trazer ao nosso olhar
condescendente
um zumbido subtil
de brisa a deslocar-se,
o som não vibrante
do sino mais além do campanário,
palavras de amargura ao pôr do sol
e um calado pesar de mais um dia igual.

- página 56
-------------------------
Em cada morto ramo
que o Inverno pungiu
decomposto enrugado,
tumulado no chão,
há indícios das cores
que nele ornamentavam
o seu brilhante viço
e marcas do lugar
que tinha na ramagem
que, dando sombra à flor,
acalentava o fruto.

- página 60
------------------------

Lugres (Carduelis Spinus)


Em tempos quando caçava Pintassilgos, Pintarroxos, Serinos e Verdilhões, via estas pequenas aves pousadas nas sementes, muito calmas e atraentes. Tão calmas que quase as apanhava à mão! Um célebre dia acabou por cair uma no alçapão dos Serinos, que por acaso era uma fêmea. As fêmeas são um pouco mais escuras. A partir daí fui investigando e descobri o nome, o seu habitat, etc... tudo o que se relacionava com estes pequenos Lugres! Estas aves habitam na minha região pela altura do Inverno. São aves muito dóceis e com um canto agradável. Tive várias. Mas a que mais me marcou foi uma que tive, um belo macho; soltava-a dentro de casa e ela só pousava em cima da sua própria gaiola!!! Podem ser alimentadas com sementes para Canários, ou mesmo até sementes para Periquitos! Devemos ter sempre à sua disposição areia e água fresca! Para quem quiser, também se poderá juntar machos com Canários fêmeas, para procriarem híbridos!

Publicada por Bruno Torres em 13:45
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Sunday, March 9, 2008

Saturday, March 8, 2008

Wednesday, March 5, 2008

as setas atingem

As setas atingem
os corações
com um veneno
requintado,
as autoridades
e os interesses.

Tudo anda virado

Agarra o pé
dum candeeiro
a virar a mão
a ver se percebes
o que as palavras não
dizem
ou então
nada

repetida dinânima

Repetida dinâmica
feminina e capaz.
Uma campânula
naquele ninho
obrigado a nascer
na areia quente.
É um espaço alargado
do tempo fechado.

um olho

Um olho e um dente
debaixo da voz
a corrente

Tuesday, March 4, 2008

o tempo e a passagem

O tempo e a passagem,
orquestra na zona interdita,
ramos de cereais, abetos,
costas aproximadas, e luz.

MARIA GABRIELA LLANSOL


Maria Gabriela Llansol

Um nome
na memória

Sunday, March 2, 2008

alternadamente

Alternadamente,
o frio e o calor,
o cascalho
seco
ao alcance
da mão,
e as formigas.

A gente desajeitada

A gente desajeitada
senta-se a comer ao ar livre
nas cadeiras de plástico
que trouxe de casa

Os velhos as crianças
um homem
com um chapéu de couro
e um grande bigode
domina o cenário

e há ruínas

E há ruínas
nos vales
isolados

nesta época

Nesta época do ano
os castanheiros despidos
com os braços abertos
contra o azul frio

A água sai

A água sai do ventre da montanha
por várias fendas da rocha
e escorre nas lages e brilha ao Sol

a subir a ladeira

A subir a ladeira
o ar falta
depois de ver o pinheiro
a nascer das pedras
enraizadas na fronteira