texto nº 1
por
José Manuel
Dias de Melo
“Não mates a
mosca
Que de pés e
mãos
Te implora”
Issa Kobayashi, “Primeira
Neve”
Cena
1) Número um
Zero
Medo
À porta
De casa.
Cena
2) Número dois
Um petra
Não há primeiro,
nem segundo, nem terceiro, nem nada.
Todos estão
corrompidos e quem disser o contrário não sabe,
Ou não quer saber
e se souber não se interessa.
Não há memória
que invente outra memória.
Que se respeitem
ou se matem uns aos outros como cães.
No interior das
cavernas não mostres condescendência.
Por dentro e por
fora o coração não se desdobra em nada.
Do todo o
restante não se demonstre nem se deixe de demonstrar.
Não profetizes
nem deixes de profetizar.
Não te deixes vencer
pela inércia.
Por mais que queiras
não queres saber;
Por mais que sabes
não queres saber;
Por mais que
alteres não queres alterar.
Não te investigas.
Não deixas de te tramar.
Um a
petra
Ou tramas-te
totalmente.
Mais uns dias de
folga e eis o divino perdão.
Este é o dia da
salvação. Este é demais.
Não inventes porcaria.
Não te deixes protelar.
As sereias navegam
no mar
A capacidade de
entender.
Estamos a deixar
de escutar o tempo.
Não é bom o que
tens estado a dizer de ti próprio:
Que se desejas
não entendes e se entendes não desejas.
O sereno dia
deixa de aparecer nas entrelinhas.
Deixam-te cozer
o pão que o diabo amassou.
Mas é se o diabo
quiser perceber.
Esta questão
está a um passo de chegar à lua.
De todas as
alterações climáticas esta foi a preferida.
Um b
petra
De todas as
vezes a um passo da luz.
E se vires por
este prisma não te entretenhas
A desdenhar da
solidão.
Não te inibas de
mostrar malícia.
Não te
entretenhas a ver o ás de espadas.
Estás a ver-te e
não te estás a ver.
Não te
contradigas no princípio da Lei -
O princípio da
não contradição.
Muito alto vai o
nome de deus.
Todos têm o princípio
de serem fiéis.
As penas do
inferno num caixão de chumbo.
Na terra dos
caciques nada se passa:
Não, se for de
outra maneira, melhor.
3) Número três
Dois
petra
No outro dia passei
lá sozinho.
Tenho passado
muitas vezes por esse sítio sozinho.
Nem me lembro das
vezes que tenho feito este percurso.
Mas nunca entro lá
porque tenho medo de ser reconhecido.
Julgo que me
reconhecem.
Ainda lá estão
os empregados do meu tempo.
Não entendo essa
permanência.
Eles estão
iguais ao que eram,
Que o tempo não
passou por eles.
Vou-me embora
chateado.
Porque não
retomo outra vez o meu
Hábito de me
sentar a tomar a bica?
Entretanto,
depois, nada.
A verdade anda
muito tensa nas palavras.
Dois a
petra
Acho-me estranho
aparecer ali sem nada nas mãos.
Depois de muitos
anos tenho de fixar o tempo.
Não entro no
café.
Fico-me à porta.
Pergunto-me o
que quero fazer.
Continuo o caminho
depois de espreitar
A velha montra com
bolos e latas de sumo.
Todo o verão sombras
de manhã.
Há sempre sombra
no passeio neste lado da rua
Onde está a Biju.
Não há mais nada
senão a Biju.
Ficou na
travessa das Mercês o quarto
Onde dormia,
Onde comia.
Ou não comia.
Às vezes terei de
recorrer a uma operação estética para mudar de rosto,
Para não me
reconhecerem ao meio dia em ponto na correria das ruas.
No preciso
momento em que a bomba arrebenta não se ouve mais nada,
Apenas o
elevador da Bica se despenha,
Arrebenta o cabo
e lá arrasta consigo,
Para o fundo do
Poço dos Mortos, tudo e todos.
Não há remédio.
Era a vida no quarto
com clarabóia
Escancarada
noite e dia.
O sol a bater, a
escaldar.
O frio a obrigar
o carrego de cobertores.
Não me sinto bem
com isso.
Os deveres
estragam-me.
Cheio de aflição
saio de casa e abanco
Na Biju com as
orelhas à mostra.
Não olho para
lado nenhum.
O tempo de novidade
morre no chão,
Parece nunca
mais acabar,
Está de volta à memória
para ver como se tratam as pessoas
Com mais
lentidão ou com menos tolerância.
As palavras não
se cozinham todos os dias
Nem a
sinceridade se mistura
Com a natureza
na sua forma original.
Quem não paga passa
por cima do meu cadáver.
Não, que ainda é
cedo.
Só depois de ver
a luz do dia é que me atrevo a entrar no café,
No entanto tenho
medo de ser reconhecido por eles.
É embaraçoso falar
com eles,
Os três
empregados,
Com quem não
falava - apenas via.
E estive ali
sentado tantos dias a matar a solidão do quarto.
Ali com gente à
volta a entrar e a sair.
Quem poderia
imaginar por esse tempo que o filho agora
Outra vez
repetisse a mesma coisa?
A ver com os
olhos fechados a voragem dos dias
Assim mesmo, nem
pior nem melhor,
Há estar sozinho
no meio de gente.
Mas pelo menos no
meio de gente é melhor do que no meio de nada.
Essa é a minha
teoria.
Quem disser o
contrário está no seu direito
Que eu por mim
também estou no meu.
Dois €
petra
Portanto não será
por isso que o gato vai às filhoses.
Ou será que sabemos?
Perguntaria ao
mais revirado dos bandidos
Se não fora a
lambisgóia do lado,
A senhora dona
da casa, a senhora Rapoula
De memória tão
curta.
Aconteceria o
que aconteceu nesse tempo
À boa maneira dos
outros tempos.
Será como se
quiser,
Mais ou menos.
A dona Rapoula
arrebitada de rabo espetado,
Baixita, com uma
verruga negra
Abaixo do nariz
acima do beiço,
Que se homem fosse
teria de inventar: -
Alguma ginástica
para fazer a barba.
A dona Rapoula a
limpar o pó no corredor escuro.
A irmã sob as
suas ordens vai, não vem.
De certeza que
não me fizeram mal nenhum.
O meu mundo
perdido e encontrado.
A diferença foi
outra.
Era a questão de
entrar no café, ou não.
4) Número quatro
Três
petra
Alguma vez
paraste
Para perguntar sobre
o caminho?
Saberás onde
fica o caminho?
Saberás como
andar no caminho?
Haverá caminho?
A dúvida entra
no cérebro ansioso,
Um dia saberás as
últimas palavras.
Cena
5) Acima das pedras do elevador. Alguma coisa se tira de
fora para o bom ambiente
-- Não entro ali.
-- Porque o mal
em que o mundo se entendeu ficar.
-- No grande
barril de pólvora em que se tornou.
-- Está mais do
que cumprido.
-- Não entro ali.
-- Porque não
posso.
-- Porque não
quero.
-- Porque me
passa ao lado.
-- Não saberás
outra coisa da vida?
-- Que não seja
entender o nada que te apoquenta?
-- É esta coisa
que não quero entender.
-- Não quero cobrar
portagem à entrada.
-- Não quero entrar.
-- Nem sair.
E deste longo martírio
alguma coisa se tira de fora, para o bom ambiente à volta da doença, que entra
no limbo do dia com a cruz de cristo atrás
das tropas.
-- Acerca de mês
e meio não entrava nada nas nuvens.
-- E ninguém
podia dizer aquilo que era contrário à doença.
-- Porquê estar
a amplificar o som?
-- A ver se
cruzamos as peças.
-- Com todos os
defeitos de casa.
-- Estamos a ver
se cobrimos as extensões mais correntes.
-- Não se está a
ver a entrada do próximo capítulo.
-- Ainda que
seja de indefinida qualidade.
-- Já as pessoas
correm outra vez a todos os lados.
-- A ver do
bicharoco que entra.
-- Esse, sim.
-- Outro, não.
-- Por ali não pode ser.
-- Ali acaba o desafio maior.
-- De estar
acima das pedras do elevador.
-- Com correntes
extensas.
-- Atrás e à
frente.
-- Todas as
vezes.
-- À luz do dia.
-- Assim os
livros.
-- Em exposição.
-- São muito
caros.
-- Em exposição.
-- Para ver.
-- Ainda bem.
-- As capas são
para estudar.
-- O princípio
da escolaridade obrigatória.
-- Com todo o
peso do exército.
-- Esse, sim.
-- À beira de
nascer de novo.
--
Correntemente.
-- Para colher
os melhores mantimentos.
-- De todos os
sítios à volta.
-- Não se perde
a mais pequena parte de pão.
-- Olha em volta.
-- Uma luz fraca.
-- Uma telha
partida.
-- Uma vela
acesa.
-- A vela não
encaixa.
-- É para o
morto a entrar.
-- Não nesse dia.
-- Pode uma
outra morte experimentar?
-- Pode ser
assim.
-- Não.
-- Nesse dia vai
o santo de pedra na estrada.
-- E a madeira
do santo pega fogo.
-- Pode ser por
aí.
-- Podes entrar
bem depressa.
-- E perceber as
entradas todas.
-- Duma vez para
sempre.
-- Com pressa de
chegar.
-- Assim não dá.
-- Tens de
voltar atrás.
-- À presença do
amigo.
-- E podes perceber.
-- Duma maneira
ou doutra.
-- Não a
afinidade.
-- Mas a
finalidade.
-- Assim é o
primeiro dia.
-- Dado a um de
voz inteira.
-- Com o aumento
do cabedal.
-- Todos entram
na dança.
-- Menos eu.
-- Não quero
essa entrada.
-- Estava
programada.
-- Eu tinha
pensado nisso a semana toda.
-- Mas quando cheguei
ao sítio paralisei.
-- E aqui estou.
-- Não neste
lugar.
-- Mas na frente
do primeiro.
-- Quando não há
segundo.
-- E demais a
mais não é por essa via que se pretende.
-- Não é.
-- E não sendo dá
na mesma qualidade.
Desde muito cedo
que se percebe que não está, e assim é mais frequente a bitola incompleta estar
na entrada e na saída.
-- Não.
-- Por essa via
não vou buscar mais nada.
-- Não preciso.
Olho para o rio
do cimo de Santa Catarina, e estou a compreender mais ou menos; e só preciso de
algum tempo para compreender tudo, mas a entrada prevalece em detrimento da
saída, e esta deve ser bem larga.
-- Com todos os
defeitos que tens não vais lá.
-- Compreende
bem a afinidade.
-- Que deves ter
com o paraíso.
-- Este tempo não
dá.
-- E há mais os
portões que são à prova de fogo.
-- Este problema
é o maior.
-- E para conhecê-lo
talvez não queiras.
-- Como não
queres não estás para a semana.
-- E para sempre.
-- Na sala da
condenação.
-- Na entrada da
cavalariça de guerra.
-- Trás os nomes
contigo.
-- E também as
vistorias.
-- E o prazer de
entrares.
-- Sem imitares
a guerra do Paço.
-- Mas eu agora estou
aqui.
-- E não sou ele.
-- Que se lixe.
-- Agora sou eu.
-- Não és tu.
-- Pode ser.
continua..........
continua..........
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