Wednesday, September 18, 2013

Texto 1 - Dos efeitos das marés nos cabelos das árvores

texto nº 1




Dos efeitos das marés nos cabelos das árvores
por

José Manuel Dias de Melo














“Não mates a mosca
Que de pés e mãos
Te implora”

  Issa Kobayashi, “Primeira Neve”  



Cena

1) Número um





Zero



Medo

À porta

De casa.





Cena

2) Número dois



Um petra



Não há primeiro, nem segundo, nem terceiro, nem nada.

Todos estão corrompidos e quem disser o contrário não sabe,

Ou não quer saber e se souber não se interessa.

Não há memória que invente outra memória.



Que se respeitem ou se matem uns aos outros como cães.

No interior das cavernas não mostres condescendência.

Por dentro e por fora o coração não se desdobra em nada.

Do todo o restante não se demonstre nem se deixe de demonstrar.



Não profetizes nem deixes de profetizar.

Não te deixes vencer pela inércia.

Por mais que queiras não queres saber;



Por mais que sabes não queres saber;

Por mais que alteres não queres alterar.

Não te investigas. Não deixas de te tramar.







Um a petra



Ou tramas-te totalmente.

Mais uns dias de folga e eis o divino perdão.

Este é o dia da salvação. Este é demais.

Não inventes porcaria. Não te deixes protelar.



As sereias navegam no mar

A capacidade de entender.

Estamos a deixar de escutar o tempo.

Não é bom o que tens estado a dizer de ti próprio:



Que se desejas não entendes e se entendes não desejas.

O sereno dia deixa de aparecer nas entrelinhas.

Deixam-te cozer o pão que o diabo amassou.



Mas é se o diabo quiser perceber.

Esta questão está a um passo de chegar à lua.

De todas as alterações climáticas esta foi a preferida.







Um b petra



De todas as vezes a um passo da luz.

E se vires por este prisma não te entretenhas

A desdenhar da solidão.

Não te inibas de mostrar malícia.



Não te entretenhas a ver o ás de espadas.

Estás a ver-te e não te estás a ver.

Não te contradigas no princípio da Lei -

O princípio da não contradição.



Muito alto vai o nome de deus.

Todos têm o princípio de serem fiéis.

As penas do inferno num caixão de chumbo.



Na terra dos caciques nada se passa:

Não, se for de outra maneira, melhor.






Cena

3) Número três



Dois petra



No outro dia passei lá sozinho.

Tenho passado muitas vezes por esse sítio sozinho.

Nem me lembro das vezes que tenho feito este percurso.

Mas nunca entro lá porque tenho medo de ser reconhecido.



Julgo que me reconhecem.

Ainda lá estão os empregados do meu tempo.

Não entendo essa permanência.

Eles estão iguais ao que eram,



Que o tempo não passou por eles.

Vou-me embora chateado.

Porque não retomo outra vez o meu



Hábito de me sentar a tomar a bica?

Entretanto, depois, nada.

A verdade anda muito tensa nas palavras.









Dois a petra



Acho-me estranho aparecer ali sem nada nas mãos.

Depois de muitos anos tenho de fixar o tempo.

Não entro no café.

Fico-me à porta.



Pergunto-me o que quero fazer.

Continuo o caminho depois de espreitar

A velha montra com bolos e latas de sumo.

Todo o verão sombras de manhã.



Há sempre sombra no passeio neste lado da rua

Onde está a Biju.

Não há mais nada senão a Biju.



Ficou na travessa das Mercês o quarto

Onde dormia,

Onde comia.








Dois b petra



Ou não comia.

Às vezes terei de recorrer a uma operação estética para mudar de rosto,

Para não me reconhecerem ao meio dia em ponto na correria das ruas.

No preciso momento em que a bomba arrebenta não se ouve mais nada,



Apenas o elevador da Bica se despenha,

Arrebenta o cabo e lá arrasta consigo,

Para o fundo do Poço dos Mortos, tudo e todos.

Não há remédio.



Era a vida no quarto com clarabóia

Escancarada noite e dia.

O sol a bater, a escaldar.



O frio a obrigar o carrego de cobertores.

Não me sinto bem com isso.

Os deveres estragam-me.










Dois© petra



Cheio de aflição saio de casa e abanco

Na Biju com as orelhas à mostra.

Não olho para lado nenhum.

O tempo de novidade morre no chão,



Parece nunca mais acabar,

Está de volta à memória para ver como se tratam as pessoas

Com mais lentidão ou com menos tolerância.

As palavras não se cozinham todos os dias



Nem a sinceridade se mistura

Com a natureza na sua forma original.

Quem não paga passa por cima do meu cadáver.



Não, que ainda é cedo.

Só depois de ver a luz do dia é que me atrevo a entrar no café,

No entanto tenho medo de ser reconhecido por eles.










Dois d petra



É embaraçoso falar com eles,

Os três empregados,

Com quem não falava - apenas via.

E estive ali sentado tantos dias a matar a solidão do quarto.



Ali com gente à volta a entrar e a sair.

Quem poderia imaginar por esse tempo que o filho agora

Outra vez repetisse a mesma coisa?

A ver com os olhos fechados a voragem dos dias



Assim mesmo, nem pior nem melhor,

Há estar sozinho no meio de gente.

Mas pelo menos no meio de gente é melhor do que no meio de nada.



Essa é a minha teoria.

Quem disser o contrário está no seu direito

Que eu por mim também estou no meu.











Dois € petra



Portanto não será por isso que o gato vai às filhoses.

Ou será que sabemos?

Perguntaria ao mais revirado dos bandidos

Se não fora a lambisgóia do lado,



A senhora dona da casa, a senhora Rapoula

De memória tão curta.

Aconteceria o que aconteceu nesse tempo

À boa maneira dos outros tempos.



Será como se quiser,

Mais ou menos.

A dona Rapoula arrebitada de rabo espetado,



Baixita, com uma verruga negra

Abaixo do nariz acima do beiço,

Que se homem fosse teria de inventar: -





Alguma ginástica para fazer a barba.










Dois f petra



A dona Rapoula a limpar o pó no corredor escuro.

A irmã sob as suas ordens vai, não vem.

De certeza que não me fizeram mal nenhum.



O meu mundo perdido e encontrado.

A diferença foi outra.

Era a questão de entrar no café, ou não.








Cena

4) Número quatro





Três petra



Alguma vez paraste

Para perguntar sobre o caminho?  



Saberás onde fica o caminho?

Saberás como andar no caminho?



Haverá caminho?



A dúvida entra no cérebro ansioso,

Um dia saberás as últimas palavras.







Cena

5) Acima das pedras do elevador. Alguma coisa se tira de fora para o bom ambiente



-- Não entro ali.

-- Porque o mal em que o mundo se entendeu ficar.

-- No grande barril de pólvora em que se tornou.

-- Está mais do que cumprido.

-- Não entro ali.

-- Porque não posso.

-- Porque não quero.

-- Porque me passa ao lado.

-- Não saberás outra coisa da vida?

-- Que não seja entender o nada que te apoquenta?

-- É esta coisa que não quero entender.

-- Não quero cobrar portagem à entrada.

-- Não quero entrar.

-- Nem sair.

E deste longo martírio alguma coisa se tira de fora, para o bom ambiente à volta da doença, que entra no limbo do dia com a cruz de cristo atrás das tropas.

-- Acerca de mês e meio não entrava nada nas nuvens.

-- E ninguém podia dizer aquilo que era contrário à doença.

-- Porquê estar a amplificar o som?

-- A ver se cruzamos as peças.

-- Com todos os defeitos de casa.

-- Estamos a ver se cobrimos as extensões mais correntes.

-- Não se está a ver a entrada do próximo capítulo.

-- Ainda que seja de indefinida qualidade.

-- Já as pessoas correm outra vez a todos os lados.

-- A ver do bicharoco que entra.

-- Esse, sim.

-- Outro, não.

-- Por ali não pode ser.

-- Ali acaba o desafio maior.

-- De estar acima das pedras do elevador.

-- Com correntes extensas.

-- Atrás e à frente.

-- Todas as vezes.

-- À luz do dia.

-- Assim os livros.

-- Em exposição.

-- São muito caros.

-- Em exposição.

-- Para ver.

-- Ainda bem.

-- As capas são para estudar.

-- O princípio da escolaridade obrigatória.

-- Com todo o peso do exército.

-- Esse, sim.

-- À beira de nascer de novo.

-- Correntemente.

-- Para colher os melhores mantimentos.

-- De todos os sítios à volta.

-- Não se perde a mais pequena parte de pão.

-- Olha em volta.

-- Uma luz fraca.

-- Uma telha partida.

-- Uma vela acesa.

-- A vela não encaixa.

-- É para o morto a entrar.

-- Não nesse dia.

-- Pode uma outra morte experimentar?

-- Pode ser assim.

-- Não.

-- Nesse dia vai o santo de pedra na estrada.

-- E a madeira do santo pega fogo.

-- Pode ser por aí.

-- Podes entrar bem depressa.

-- E perceber as entradas todas.

-- Duma vez para sempre.

-- Com pressa de chegar.

-- Assim não dá.

-- Tens de voltar atrás.

-- À presença do amigo.

-- E podes perceber.

-- Duma maneira ou doutra.

-- Não a afinidade.

-- Mas a finalidade.

-- Assim é o primeiro dia.

-- Dado a um de voz inteira.

-- Com o aumento do cabedal.

-- Todos entram na dança.

-- Menos eu.

-- Não quero essa entrada.

-- Estava programada.

-- Eu tinha pensado nisso a semana toda.

-- Mas quando cheguei ao sítio paralisei.

-- E aqui estou.

-- Não neste lugar.

-- Mas na frente do primeiro.

-- Quando não há segundo.

-- E demais a mais não é por essa via que se pretende.

-- Não é.

-- E não sendo dá na mesma qualidade.

Desde muito cedo que se percebe que não está, e assim é mais frequente a bitola incompleta estar na entrada e na saída.

-- Não.

-- Por essa via não vou buscar mais nada.

-- Não preciso.

Olho para o rio do cimo de Santa Catarina, e estou a compreender mais ou menos; e só preciso de algum tempo para compreender tudo, mas a entrada prevalece em detrimento da saída, e esta deve ser bem larga.

-- Com todos os defeitos que tens não vais lá.

-- Compreende bem a afinidade.

-- Que deves ter com o paraíso.

-- Este tempo não dá.

-- E há mais os portões que são à prova de fogo.

-- Este problema é o maior.

-- E para conhecê-lo talvez não queiras.

-- Como não queres não estás para a semana.

-- E para sempre.

-- Na sala da condenação.

-- Na entrada da cavalariça de guerra.

-- Trás os nomes contigo.

-- E também as vistorias.

-- E o prazer de entrares.

-- Sem imitares a guerra do Paço.

-- Mas eu agora estou aqui.

-- E não sou ele.

-- Que se lixe.

-- Agora sou eu.

-- Não és tu.

-- Pode ser.


continua..........


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