texto nº 5 -
dos efeitos das marés nos cabelos das árvores
Cena
20) A contabilidade das ondas de choque
-- E influenciar
na graça de deus nosso senhor.
-- Que para lá
longe também vão as gorjetas que não dou.
-- Porque não
quero justificar perante o céu.
-- Essas
misteriosas águas onde me prendo.
-- Todos os ricos
dias santos.
-- E a verdade é
que os comensais estão todos à mesa.
-- Como se não
tivesse acontecido nada.
-- Mas é falso.
-- O que estava
previsto era a retirada estratégica destas pessoas para a rua.
-- O Joni via-se
e desejava-se para acalmar as hostes irrequietas.
-- Todo o tempo
a puxar o controlo do tempo.
-- Esse é o
mesmo que se encontra na terra.
-- Não.
-- A verdade não
se esforça a deitar o olho para lá do miradouro a ver se percebe.
-- Mas depois
volta a cara para dentro.
-- A minha
marreca feia.
-- Eu não
percebo em que dia do ano morreu o meu ser.
-- Não que isso
importe muito.
-- Mas para me
balizar.
-- Ver onde
estou.
-- Na resma de
papéis em casa.
-- Ou na porta
de fora.
-- Com a mão à
mostra.
-- Pode ser aí.
-- Eu levo todo
o género de coisas para casa.
-- Para passar
nos corredores.
-- Onde a
escuridão ou a diferença entre a luz e as sombras não troca de vistas.
-- Essa pode ser
escolhida.
-- A cozinha.
-- Não é preciso
começar do princípio.
-- Ver como ela
se desenrasca.
-- A Gracitara
antes apreciada.
-- Mas agora não
muito.
-- Se bem que a
tivesse mandado embora preciso dela outra vez.
-- Para me
situar nesta engrenagem.
-- A ver como
depois da bomba ela se vai precipitar para cima das mesas todas.
-- A gastar toda
a prata da casa.
-- Todas as
encomendas.
Aí estão a
produzir-se os gastos necessários à cozinha; e é um dever da Gracitara seguir
esse rumo, conjugada com o Joni fiscal, com o casaco grená de bom-tom e uma
gravata azul escura, e camisa branca e calças cinzentas, e sapatos castanhos.
-- Ao que consta
nada disso é importante.
-- Mas ajuda a
perfazer o tempo necessário
-- Para
percorrer o rio a horas de chegar ao outro lado.
-- Ver Aparecida.
-- E o seu baile
de máscaras.
-- Ele sabe que
é assim.
-- Não se
desligue da peça começada à lareira.
-- Não que não
seja tempo para isso tudo.
-- Escolhido a
bem da zona escolar.
-- Rente ao
pórtico da zona sul.
-- Tempo
estratégico.
-- Na mão de
deus está essa Gracitara.
-- Ainda bem.
-- Depois pergunto-me
a mim mesmo como tirar o garfo.
-- Como
permanecer o tempo todo direito que nem um fuso.
-- Os olhos apertados.
-- As narinas
nem se mechem.
-- Nada bule.
-- No entanto um
vulcão lavra dentro de mim.
-- Ronca mais
terrível que mil bombas.
-- Não se sabe
de nada.
-- De nada se
pode viver.
-- Não se sabe
da Biju.
-- Nem dos seus
três empregados.
-- Nem de mais
um que anda cá fora nas mesas a servir.
-- A deitar leite
no café ou a receber os trocos.
-- Graças a deus
tudo começou bem.
-- Eu abri o
livro naquele dia na Biju.
-- O que me veio
à ideia foi a terrível verdade.
-- Não estou
aqui para o bem de todos.
-- Haja
paciência.
-- Ao meu lado o
colega que me viu a esbranquiçar o rosto ficou paralisado.
-- O que vinha
aí não era bem assim.
-- Dizia-se ser
mais do que isso.
-- Sim.
-- Estava a aprender
na escola as primeiras contas.
-- A engenharia contabilística
dos tempos modernos.
-- Era isso que
estava a aprender.
-- Com a visão
pessimista da época.
-- Comprando as
mercadorias.
-- No papel das disciplinas.
-- Aparelhadas
de novo.
-- Esse era cá
um bigode infernal.
-- Era isso.
-- Porque eu
estava parado.
-- Percebia
muito bem o tempo a passar.
-- Estava à
espera era da minha pescadinha com o rabo na boca.
-- Viria ou não.
-- Ninguém se
impressione pela experiência da contabilidade.
-- O Joni também
não.
-- O mais
interessante é a Gracitara aferrada ao canto de olho brilhante.
-- Mas é só por
escassos momentos.
-- Outra vez
chega o Joni.
-- Ela deixa de
ser a Gracitara para meu desgosto.
-- E para
desgosto de todos nós.
-- Estamos bem na
graça de deus.
-- Entenderia eu
que assim fosse.
-- Mas olhando
bem para os rostos dos que me rodeavam percebia-se alguma coisa.
-- Mas ao fim de
algum tempo não se percebia nada.
-- Quanto mais
tempo havia menos se percebia.
-- Então para
quê andar com estas insinuações.
-- Para quê
pensar diferente do costume?
-- É a visão que
há por dentro.
-- E por fora.
-- Rente à terra.
-- Será bem
fechado a cadeado o nome que agora se diz.
-- Para não se
dispersar.
-- Eu poderei
ter que me deixar reviver.
-- Com o templo
de deus ao meu lado.
-- Nas areias
quentes.
-- Com os
pilares abertos.
-- Erectos ao
céu.
-- Nessa
meteorologia quente e silenciosa o nome de deus ressoa por todo o lado.
-- Não foi assim.
-- Não podes
dizer dessa maneira acentuada.
-- Não chegamos
a conclusão nenhuma.
-- O nome de
deus ao ser invocado é o próprio deus que invocas.
-- Não sei.
-- Pois se não
sabes devias saber
-- Nada.
-- Daí onde é
que queres ir.
-- Não sei.
-- Estamos aqui
bem mas temos que nos ir embora.
-- Ficamos a jantar
os dois.
-- Dá-me um
bocadinho de pão.
-- Come depois o
pão.
-- Não.
-- Agora.
-- Eles ainda
nos dão uma cacholada.
-- Não dão nada.
-- Não estão a
ver nada.
-- Mas mesmo
assim é como se estivessem a ver.
-- Também emprenhas
dos ouvidos.
-- Não fazes
nada porque julgas que te estão julgando.
-- Ficas
paralisado pelas opiniões dos outros.
-- É capaz de
ser verdade.
-- Mas não
fiques triste.
-- Estou-me
marimbando.
-- (E dizendo
isso perdeu o pé e o silêncio apoderou-se da mente).
-- (Da minha
mente).
-- (Estava tão
bem desse modo entregue a si mesma).
-- (Estava livre
para andar em todo o lado).
-- (Essa era a
face boa da questão).
-- No inverno
não caía neve na cidade.
-- Mas lançavam
neve artificial.
-- Adoro neve
artificial.
-- Depois
escorregar deitado.
-- Porque não
consigo ter-me em pé.
-- Isso foi
daquela vez.
-- Mas todos
temos de perder alguma coisa.
-- Eu aprendo
muito bem estes desígnios da contabilidade.
-- É por isso
que me vou deixar adormecer.
-- Não.
-- A contabilidade
é uma ciência dos outros.
E depois, olhando
para dentro, deu-se outra vez um grande estrondo, e mais um, mas agora mais
perto.
Cena
21) Todos os bocados do corpo são juntos e cosidos à mão com
linha bastante rija
-- De tal forma
que obriga os comensais a ficar mais atentos.
-- E não é que
possa ser aqui mesmo.
-- Não se olvide
essa possibilidade.
-- Uma de entre tantas.
-- O que vai na
cabeça dessa gente não se sabe.
-- Na minha
também às vezes não sei.
-- Porque eu não
quero ser definitivo.
-- E acabar com
toda a esperança.
-- Seja como for
o estrondo foi valente.
-- A casa tremeu.
-- Mas quem sabe
o que anda por aí nas cavernas da memória?
-- É o que se
percebe à primeira vista.
-- Sem razão
aparente.
-- E no caso da Gracitara
percebe-se que se sente mal.
-- Porque é tão jovem
quanto eu.
-- E pergunto-me
porque ando aqui a merecer esta aparência de jovem desempregado com umas lecas
para não morrer de fome no meio da multidão?
-- É esse risco
que tenho de correr.
-- A jovem Gracitara
afogueada vai ter de se ir embora da sala.
-- Não faz nada
aqui.
-- Só estorva o
movimento cadenciado das bocarras dos bem-apessoados atletas da comida a contar
quantas explosões houve hoje na cidade.
-- Se fosse ontem
era uma coisa.
-- Se fosse hoje
era outra.
-- É conforme o que
tem de se fazer.
-- Depois é preciso
contar os mortos.
-- Saber se hoje
morreram mais do que ontem.
-- Esses mortos normalmente
vão para o céu.
-- É por isso
que não se percebe muito bem.
-- Mas eu não
quero saber disso agora.
-- Antes deixar
tudo noutra cena sem mortes nem bombas.
-- E no entanto
é muito difícil seguir este caminho na minha posição sentado
-- Parado como
uma estátua.
-- Com a minha
respiração cadenciada mas imperceptível.
-- A precisar os
movimentos dos outros que não os meus.
-- Isso se
pudesse ser assim desse modo.
-- Com o coração
despedaçado pelo desgosto da imobilidade.
-- Que tantas
vezes me toma conta de mim.
-- Aos pares.
-- Com doses
cavalares de veneno a querer que tudo o resto se desmorone em terra.
-- E dê no chão.
-- E se eu
permanecesse aqui?
-- Com aquele
que eu disse que estava ao meu lado.
-- Eu não
cumpriria o meu desejo.
-- Mas ao mesmo
tempo sei que não é o meu desejo a chegar.
-- E que a
chegar chegue quando lhe for oportuno.
-- Assim mesmo
se poderá gizar um plano.
-- Aí está outra
vez o meu imprescindível amigo.
-- Querendo
meter a pata onde não é chamado.
-- Que fique por
lá à vontade.
-- Sim.
-- É a verdade
pura e dura.
O melhor de tudo
começa nesta deriva de mim mesmo pelas ruas, com o espírito aberto ao mundo,
mas encolhido perante a grandeza do que está lá fora, visto do meu próprio
esconderijo; e mais a mais, nas ruas por onde passo com os olhos baixos, nem
levanto a cabeça, tenho receio de me enganar no caminho e de olhar para os
lados, por causa dos perigos grandiosos que espreitam a cada esquina, cheias de
sombras e medos; e é por isso que as ruas me causam repulsa nestes dias, que
têm de ser marcados, bem como os dias que correm, virados dum lado a outro; os
dias dos tiros e das almas perdidas no mundo, entre gritos e mais gritos
infindos, sem se saber aonde vão, esses gritos.
-- Eu não sei.
-- Quando vou na
rua não olho para o céu.
-- Nem vejo mais
do que as pedras do caminho.
-- Ou o alcatrão.
-- É esse o
princípio apegado a outro princípio.
-- Não sei o fim
de tudo.
-- Mas agora
estou a um pouco de tempo de continuar com a minha contabilidade.
-- Em vez das
coisas externas irem para as internas.
-- Essas têm a
particularidade de serem uma coisa mas mostrarem outra.
-- Nunca são as
mesmas coisas.
-- Essas coisas
externas são palavras e expressões dos homens e das mulheres.
-- Será isso que
terei de contabilizar.
-- Por isso
mesmo tenho a minha contabilidade analítica que fica para a próxima.
-- Porque tem de
se prever os custos inerentes a cada expressão facial.
-- Ou a cada palavra.
-- Estes custos
encobrem o que não se vê.
-- E ainda mais
o que se vê.
-- Nessa palavra
o caminho ou a rua que tem o meu nome não o tem.
-- É por efeito
dessa contabilidade malina da mesma maneira.
-- Agora mesmo.
-- Ou daqui a bocado.
-- A tal explosão
entrará por esta sala estrondosamente.
-- Ou nem
teremos oportunidade para experimentar o som da dinamite destes dias completos.
-- É assim mesmo.
-- Os frangos
assados no espeto voarão sem asas desfeitos.
-- E o resto
será carne assada e pés de galo no frigorífico.
-- Mesmo assim
não sei se isto é verdade.
-- Cabe ao Joni
disto saber ao certo.
-- Coitado dele.
-- Afogueado que
está.
-- Com os
comensais dum lado para o outro.
-- A entrar e a
sair.
-- Sem nenhuma
regra adicional.
-- E na hora
certa desfilarão em frente da porta.
-- Todos hirtos.
-- Mais o casal.
-- E eu próprio
com o casaco do avesso.
-- E com um
chapéu de palha.
-- Porque será
no verão.
-- A prestar contas.
-- A ver os mortos
que somos.
-- Se estão bem.
-- Ou se foram para
o céu.
-- Como os das
bombas vão.
-- É mais ou menos
assim que tem sido dito às pessoas.
-- Mas também se
não é assim fica sendo.
-- Porque quem
morre com uma bomba merece ir para o céu.
-- Onde todos os
bocados do corpo são juntos e cosidos à mão com linha bastante rija.
-- Para não se
desconjuntarem.
-- Passado algum
tempo não se nota.
-- E há razão
nisso.
-- E se não há é
como se houvesse.
-- Não estou esclarecido
em muitas matérias.
-- Mas nessa matéria
fui esclarecido antecipadamente.
-- Tirando toda
a carga simbólica que advém do que é dito a verdade é que a verdade dos
estouros das bombas que rodeiam a sala de jantar só existe na cabeça.
-- E continuo a
querer entrar na perspectiva do casal.
-- Só para
entender o que estão a fazer ali ao lado.
Poderia perceber
se trazem uma bomba, mas não perceberia outras coisas igualmente importantes, e
todos os outros não seriam investigados, e poderia o casal ser um jovem casal,
ou um velho casal, também por aí não me pega a memória, e é mais uma coisa
velha do que nova, e todos entram em acordo, dum modo ou doutro, porque tem de
haver uma ideia que leve o fio para fora da rua, o fio que liga a bomba.
Cena
22) Como é que vou gastar as minhas horas de verão quando a
cidade está vazia e todos os perdigueiros andam à caça
-- À minha mão.
-- Aqui nesta
mesa onde tenho o poder todo na minha mão.
-- Se é neste
dia ou noutro a diferença não existe.
-- Não há que
perder tempo.
-- Com estas
minudências do casal e companhia.
-- Mas não estou
para aí virado.
-- Uma vez que a
questão do fio.
-- Entenda-se.
-- Pode também
ligar ao coração do índio.
-- E está o
casal a um passo feroz.
-- E a outro.
-- Olhando
disfarçadamente para o lado.
-- Onde ninguém
quer perceber do assunto.
-- E deseja é
virar costas.
-- Não é verdade
isso.
-- Não se denota
no tambor de guerra.
-- Nas escadas ao
cimo.
-- A bater
uniformemente a balada do guerreiro.
-- Única voz a
insurgir-se.
-- Todo o tempo
do mundo é esse.
-- O meu bem de
amor a esse tempo.
-- E a outro
atrás do mais.
-- Não há inverno
que sempre dure.
-- Nem verão
infernal.
-- É mesmo no
meio da parada.
-- A dar as boas
vindas no Largo do Calhariz.
-- Às duas da
tarde.
-- O sol a pino
entre a Caixa e a Biju.
-- Já deixadas a
dormir.
-- E a Tabacaria
também.
-- Um cigarrinho
deixado à porta.
-- À sombra.
-- A esta hora
depois do almoço.
-- Desdobro-me
nas minhas tarefas universais.
Vou à Biju e
depois tenho de voltar para casa, ou depois vou para baixo, pela rua do Loreto,
e às tantas tenho de perceber como é que vou gastar as minhas horas de verão,
quando a cidade está vazia, e todos os perdigueiros andam à caça; e eu neste
aperto sento-me na Biju a ler, a ler e a não fazer nada.
-- A tomar a
bica.
-- A passar o
tempo.
-- E o tempo a
não querer passar.
-- Para onde ir?
-- Talvez para
casa.
-- Talvez para
lado nenhum.
-- Quem está à
minha espera?
-- Ninguém está
à minha espera.
-- Todos estão a
ver.
-- A ouvir a
bola.
-- Hoje é assim.
-- Amanhã posso acordar
e ir à missa.
-- Mas não serve.
-- Bebe-se bicas
e fuma-se.
-- E depois nada.
-- E depois
dorme-se.
-- E depois
come-se.
-- É o Regimento
de Infantaria Onze.
-- Não é não.
-- É na Luz Soriano.
-- São nesses
cantos da travessa.
-- Agora pode
até ser outra coisa.
-- Mas não no azul.
-- Nem uma nuvem
contém frescas noites.
-- Nada.
-- Frescos dias.
-- Apenas a
chuva.
-- E a Biju
sonolenta.
Quase de manhã
não se faz nada, mas é preciso é comer alguma coisa, e a verdade resvala, e não
há nada a fazer.
-- É esperar.
-- A bica arrefece.
-- É gelo.
-- A bica perde
aquele gosto.
-- Depois não há
tempo para ver e para estar.
-- Os três estão
de serviço.
-- Aqueles
empregados da Biju.
-- Mais ao lado
entra outro.
-- Não está permanentemente.
-- É assim ao
dia.
-- E ao mesmo
tempo faz-se a ponte.
-- A ponte entre
o primeiro dia e o último não se faz.
-- Todos estão
de acordo.
-- É por isso
que não me cruzo com ninguém.
-- Ainda estou
em jejum.
-- Ainda tenho
de me ir embora.
-- Nesse tempo.
-- Aqui e agora.
-- Estou
agarrado ao fio da bomba.
-- Mas não sei
se é esse mesmo.
-- Se fiz outro
dia o mesmo ignoro.
-- Mas será
mesmo o fio da bomba?
-- Que está nas
minhas mãos?
-- Não pode ser.
-- Nem eu quero
que seja.
-- Foi um acaso.
-- Talvez alguém
mo tenha colocado nas mãos.
-- Por causa da
minha posição de espeto.
-- De espectro.
-- Mas se fosse
eu sabia.
Os rapazes andam
cada vez mais divertidos e julgo ver o Joni a brincar com eles também, e a Gracitara
a rir-se com os comensais, e essa agora é que me admira muito; toda esta cena
não teria merecimento se eu não tivesse o fio da bomba.
-- Mas eu não
tenho o fio da bomba.
-- É impossível.
-- Nem eu queria.
-- Nem me dou ao
trabalho de o ter.
-- O fio da
bomba foi canalisado dali para dentro por um canalizador à altura.
-- Deve ter sido
nos dias dos santos populares.
-- Com as
sardinhas a assar ninguém se apercebe.
-- Porque andam
distraídos.
-- Assim é fácil
aplicar este golpe matreiro.
-- A verdade
pode não ser.
-- A qualquer
altura podemos dizer uma coisa agora e depois a seguir outra diferente.
-- Ninguém se
importa com isso.
-- Porque as
pessoas têm de conhecer por elas próprias.
-- Independentemente
do que dizem os outros.
-- É essa a
minha opinião.
-- Não quer dizer
que seja minha.
-- Mas pode ser.
-- Posso
considerar para fins terapêuticos.
-- Todos têm
esse direito de dizer e não dizer.
-- É o que se
diz.
-- Eu sei muito
bem como me conduzir.
-- Primeiro é
preciso considerar.
-- Segundo é
preciso considerar.
-- É uma sequência
de considerações que dão a verdadeira dimensão do assunto.
-- E já que a Gracitara
está satisfeita.
-- E o Joni
também.
-- Eu devia
seguir-lhes o exemplo.
-- Mas o
problema do fio da bomba torna-me especial.
As minhas noções
de guerra são muitas, mas nunca tinha apanhado uma bomba como tarefa; e deve
ter sido alguém que me atacou à falsa fé e me jurou mil anos de perdão.
-- Deve ter sido.
-- Esta tarefa é
diferente de todas as outras.
-- Que até agora
me têm sido incumbidas.
-- É diferente
até ao último tostão.
-- Não sei.
-- Agora penso
na família.
-- Pois um fio
de bomba não é para se brincar.
Mas ao mesmo
tempo os meus olhos mantêm-se direitos a todo o comprimento da zona h, pois
tinha de ser definida por mim à partida, para contentamento de todos, e para
que os efeitos fossem os mais devastadores possíveis.
-- Isso me disse
o meu Ora Entorno naquele dia.
-- Mas não
estava nada previsto.
-- Esta coisa
tem sido diferente.
-- Acho que não
é nada comigo.
-- Como podia
ser eu com uma bomba nas mãos?
-- Não estou bem.
-- À viva voz
reconheço a passagem.
-- O meu Ora
Entorno aparece mesmo assim nessa tal hora combinada.
-- Na clarabóia
à frente da janela.
-- Com os papéis
em cima da cama.
-- Todos a
pensar e a não pensar.
-- É por isso
diferente.
Em vez de ser
simples, poem-se condimentos nos fios das bombas, e o sabor deles, de atirar às
moscas, é para as pessoas ficarem irritadas e puxarem o gatilho, é uma boa
estratégia.
Cena
23) Numa margem de erro só lá cabe a aritmética e a
informática para apontar bombas
-- Mas sou eu
próprio o meu conselheiro.
-- Não sou assim
tão mau como isso.
-- É uma
vantagem ser bom e caridoso a pensar nos benefícios que isso pode dar.
-- E mais nas
vantagens futuras.
-- Com certeza.
-- Com o cálculo
dos proveitos e das despesas.
Era por isso que
eu dizia ser importante a contabilidade na arquitectura das ideias, pois há
sempre um defeito a apontar, e agora foi por isso que o tal Ora Entorno me pôs na
diferença entre começar e não acabar.
-- É alguma
coisa mais rebuscada do que se imagina.
-- Todos têm o
seu quinhão de interesse na divulgação do evento.
-- Assim possa
ser.
-- Assim me
digne ter a coragem de puxar o gatilho.
-- Essa seria
boa.
-- Muito boa.
-- Se o inverno
cá chegasse.
-- Não conto com
isso para nada.
-- Aqui como
estou sozinho só tenho de me movimentar.
-- Com o sentido
do dedo mindinho.
-- A um lado.
-- No esquerdo.
-- Nasce um dedo.
-- A outro nasce
um pé.
-- O mais tardar
não tarda.
-- O meu horror
está a ficar entaramelado.
-- Neste
ambiente de sala de jantar.
-- A minha.
Era por isso que
eu queria que fosse como era antes na minha terra com a minha família, sentado à
mesa com meus irmãos e meus pais; mas aqui é diferente de tudo, como se fosse
um mundo divagante, contra o concreto.
-- O ar condicionado
partido.
-- Também
acresce a isso o suor a juntar a sopa quente.
-- E as maleitas
do tabaco.
-- O fumo agora
não é o problema de maior.
-- Que de todo o
resto do mundo chega.
-- Vai de retro satanás.
-- Esse fumo
balança.
-- Entra na
cozinha.
-- O suor cai na
sopa e no borrego ensopado.
-- Mas se for no
forno é diferente.
-- O chão está
impecável.
-- É sempre
lavado com esfregona e lixívia.
-- Apenas o fumo
traz uma névoa.
-- Que é como um
nevoeiro.
-- Tal que
ninguém vê o mundo.
-- Este tem de
ser lavado.
-- Mas em outro
dia qualquer farão isso.
-- Esse dom de
caridade e bondade.
-- Se for outra
vez pode caminhar como quiser.
-- Eu vou seguir
assim.
-- Esquecer o
fio da bomba que está nas minhas mãos.
-- Sopro um
lamiré e lá vai fio.
-- Lá vai bomba
para a puta que a pariu.
-- Sabe a sorte
que os comensais têm.
-- E o casal
ruminante.
-- Nessa hora o Ora
Entorno pode estar a fazer a sua tarefa.
-- Tem várias
reuniões por dia.
-- Mas não sei
bem o que é que me move.
-- Talvez seja um
amor geral pelo mundo?
-- Para me
redimir dos meus pecados.
-- Tantos e tão
fortes.
-- Na igreja de
deus.
-- Olhando para
o céu.
-- Aquela
claridade a todo o momento está aberta.
-- Na minha
cabeça rachada ao meio.
-- Lá dentro metade
do pão nosso de cada dia.
-- Vem assim
para a zona polar.
-- A do diabo.
-- A escura.
-- A que mais
trabalho dá.
-- Uma suspensão
no céu para onde devo ir.
-- Nesse preciso
momento em que estou assim aparece a Gracitara.
-- Mas não é ela.
-- Era como se
fosse mais para trás.
Não dou a
perceber a ninguém que sou um buraco apenas, sem uma ponta dum corno lá dentro,
a tentar mostrar que é mais do que isso; e é por isso que estou dessa maneira,
impávido e sereno, aqui, sentado perante as notícias de bombas, como se elas
não existissem.
-- Sempre é
melhor do que nada.
-- Descer a esse
ponto nas escadas frias da solidão.
-- Mas a minha
não tem por onde se pegue.
-- É mais um
medo a roer-me.
-- Ou talvez não.
-- Quem sabe o
que se passa na cabeça das pessoas?
-- Devemos
encontrar saídas diferentes.
-- Devemos ter a
pretensão de não devermos ter.
-- Era o que me
faltava.
-- Para onde
terá ido a Gracitara?
-- Não interessa.
-- E minha mãe?
-- Aí é que bate
o ponto.
-- E meu pai?
-- Aí é que bate
o ponto.
-- Estou aqui.
-- Eles estão lá
mais a minha mãe.
-- Mais o meu
pai.
-- Não sei.
-- A família dá
um piparote.
-- Está no seu
lugar.
-- Nós fritamos
peixe.
-- É por isso
que digo,
-- (Logo há-de
vir carta de lá a dizer).
-- (Aqui vai o
dinheiro com que hás-de comprar pão e manteiga).
-- (E algum
filete de pescada).
-- (Aqui está o dinheiro
que te vai salvar).
-- Mas esta não
é a principal coisa.
-- Esta até pode
ser outra coisa.
-- Eu posso até
não querer deixar entrar a comida pela porta da rua.
-- Posso deixar
de prometer.
-- E ainda assim
não pensar na mulher da casa.
-- Gorda e
anafada.
-- Com o nariz
empertigado.
-- Um rabo maior
que um camião.
-- A roçar as
banhas pelos corredores.
-- Escuros e
alcatifados.
-- Está com a
chave na mão à espera da massa.
-- Quem será ela
outra vez?
-- Será do princípio
ou do fim?
-- Seja o que
deus quiser.
-- Essa mulher dos
corredores alcatifados vigia o porão do navio.
-- A ver se o
peixe mexe.
-- Dá vida à
vida.
-- Está de
parabéns.
-- Essa era a
mulher do outro dia.
-- Quem sabe se
também não se discute material melhor?
-- Quem sabe se
não vamos?
-- Se não
estamos?
-- Se não
comemos?
-- Não comemos.
-- Não estamos.
-- Não vamos.
-- Eu não me
junto a mais ninguém.
-- Nem estudo
contabilidade.
-- Que se lixe.
Numa margem de
erro só lá cabe a aritmética, e a informática, para apontar bombas a estes
comensais babosos, de fatos azuis e gravatas azuis, e camisas brancas e sapatos
pretos; e estes são os malbaratados do mundo, que esperam bater o recorde de
estar a comer várias vezes; e eu, sabendo disso, fiz-me esperto no dia a seguir.
-- Talvez fosse
o ódio.
-- Mas o ódio
não existe.
-- É uma
justificação.
-- O ódio justifica.
-- Tem sempre um
argumento atrás.
-- Que lhe dá
consistência.
-- Assim como o
amor.
-- Tem um argumento
na frente.
-- Que lhe dá
consistência.
-- O amor
justifica-se com o futuro.
-- E o ódio com
o passado.
Assim, eu também,
armado com o fio da bomba, tenho essa justificação com a minha anterior paragem
pela rua, e pelo medo larvar; mas esse que sou eu não percebe, nem me percebo, ainda
mais que causa escura da minha pequenez são os adiposos, e como sou larvar, a
tremer todo cá por dentro, a olhar, nas ruas, para o chão, não quero encontrar
os olhos de ninguém nos meus olhos.
-- Ah, sim.
-- Tenho de
falar com o Joni vermelho apopléctico.
-- E com os rapazes.
-- E com os três
empregados da Biju.
-- Tenho de
falar com eles todos para quebrar o feitiço.
Cena
24) Nessa medida não se podia ser uma águia pesqueira nem virar
de fora o baile de máscaras
-- Era o melhor
que devia fazer.
-- A ver se não
caía nestas tretas de definições caseiras de ódio e amor.
-- Mais a puta
que os pariu.
-- É esse mesmo
o vernáculo que tenho de usar.
-- Com abundância.
-- Sem estar com
cagança.
-- Nem pujança.
-- Vai tudo pelo
cano abaixo.
-- Para o bueiro.
-- Até desaparecer
nos confins do mundo.
-- Sem saber quanta
vida há para além disso.
-- Eu não tenho
nem um cêntimo dela.
-- Como é que
devo deixar de entrar?
-- De pensar.
-- Como devo
perder-me no fogo da ilusão?
-- Essa deve ser
a coisa mais importante.
-- Entre estas paredes
aqui incaracterísticas.
-- Pintadas de
branco.
-- Sem alma e
sem gosto.
-- Com adereços
para ali pendurados.
-- A ver se nada
se vê.
-- E se passa ao
lado.
Todo o rico dia,
a luta tem de ser maior do que tudo com a força do destino, e estas paredes não
são nada, e nem a mais pequena coisa me sugere o que quer que seja, nem uma
simples lembrança; mas é preciso atender todo o rico dia a mão que se abate na
minha cabeça e me arrocha com a força de deus.
-- E não mais os
outros três.
-- Ao mesmo
tempo não se diz a verdade.
-- A linha da
bomba ficou no saco.
-- Não chegou a
estar na minha mão.
-- Alguém esteve
ao meu lado e fugiu.
-- As outras
bombas primeiro não eram.
-- Depois não
deixaram de arrebentar à porta do Ocorrente.
-- Foi ele que
viu.
-- Vê todos os
dias quem passa por lá sorrateiramente.
-- Teve o dom de
me dizer à espera da bola.
-- Não te
experimentes nesse carro de óleo em bruto.
-- Eu já não.
-- E tu também
não.
E foi assim
direito à saia duma mulher que ali passava, e ela deitou um euro na bolsa detrás
dele.
-- O Ocorrente é
meu amigo.
-- Mas não se
trata disso.
-- Tem a ver com
não ver.
-- Mais próprio
dos dias de hoje.
-- Não é um dia.
-- Nem é para
acreditar.
-- Uma paragem
insignificante.
-- Tem uma
primeira abordagem na camioneta.
-- É preciso concentração.
-- O Ocorrente está
habilitado para isso.
-- Pois é ao
mesmo tempo um disfarçado.
-- Ao serviço de
potências estrangeiras.
-- Está bem.
-- O meu Ora
Entorno explicou-me muito bem.
-- O que as potências
estrangeiras podem fazer.
-- Eu estou
muito preocupado aqui sentado.
-- O Ocorrente é
uma grande ajuda para assuntos de estado.
-- Só que eu
vejo muito além de mim próprio.
-- À distância
de milhas.
-- A cheirar os
parasitas.
-- E logo
pestanejo.
-- Sei muito da
desobriga.
-- E do presente.
-- Mas não
telefono.
-- Não é preciso.
-- Noutra altura.
-- Mas devia ser.
-- Agora neste
momento é que devia ser.
-- Não.
-- Não.
-- Mas é que nem
uma moeda para telefonar.
-- Não sei a
esta distância.
-- Este tempo
está cada vez pior.
-- Mas à mesa
vem e não vem.
-- Deve-se é
limpar de moedas aqueles chouriços empertigados.
-- Que se amanhem
com as coisas dos porcos.
-- Essas coisas dos
porcos negros da cor das bolotas.
-- Nestas
refeições.
-- Ah, sim.
-- Já vejo.
-- Mas não.
-- Nada disso
vejo.
-- Do que já
disse.
-- E repito.
-- O meu prato é
pescadinha com rabo na boca.
-- É só isso.
-- E os temperos
dos porcos não são apetecíveis.
-- Com água na
boca.
-- Seja por caridade.
-- Seja na hora.
-- Se for assim o
Ocorrente tem razão.
-- Não descarto
a hipótese de telefonar por comida.
-- Deve ser
neste dia mesmo na hora.
-- Mesmo cada
segundo que passa é uma eternidade.
-- Como tenho
tanta paciência o Ocorrente diz-me,
-- (Se vieres
ter comigo não te arrependes).
-- Não vou.
-- Não é uma
questão de ir ou não ir.
-- Não sei.
-- Eu tenho
outra forma generalizada de proteger os três.
-- É por isso que
não pego na peça de metro ao quadrado.
-- Sabes como é?
-- Os da tua
profissão andam lá fora no estrangeiro de joelhos no chão da rua.
-- Com os cotovelos
também no chão.
-- E com uma
malga para esmolas.
-- Na frente dos
joelhos.
-- Os caídos de
deus.
-- (Acima de
tudo o inverno não me pega aqui), -- diz-me o Ocorrente.
-- E levanta-se e
vai mas não se levanta atrás.
-- Pode
perder-se.
-- Pode estar à
margem.
-- Mas eu digo,
-- (É assim
mesmo que tenho de fazer).
-- (Independentemente
do Joni vermelhusco e irritado).
-- (Que anda
aqui dum lado para o outro).
-- O melhor foi
que me desembaracei do segurança porteiro.
-- Não precisa.
-- São coisas ao
pé da porta.
-- Mais custo menos
custo para a contabilidade.
-- Não precisa
de ver.
-- As próximas contas
não estão.
-- De outra
forma espreita para o fundo do poço.
-- Só isso.
-- E não se diz
mais nada.
-- A ninguém.
-- Eu sei.
-- Eu estou
também a pensar.
-- Ao mesmo tempo.
-- Não digo a
ninguém senão perco.
-- Não quero.
-- À volta de
tudo.
-- Deixar de
tudo na terra.
-- Se vou para o
céu é melhor ir para o inferno.
-- Pelo menos
não caio noutra.
-- Essa mesma
viagem não tem retorno.
-- A menos que
se pague passagem.
-- De ida e
volta.
-- Como é
irritante.
-- Este primeiro
embate é irritante.
-- É lixado
ficar aqui.
-- Sem um mínimo
de sangue nas veias.
-- É nisto que
estou transformado.
-- Sem sangue
nas veias tenho de partir.
-- Com toda a
velocidade.
-- Quebrar o
barro
-- Sair para o
inferno.
-- Eu quero ir
para o inferno.
-- Nas viagens não
sou muito bom.
-- Quero apenas
comer.
-- Não perceber
nada do assunto das bombas.
-- Nada e nada.
-- Mil vezes.
-- Também é para
o lado de fora.
-- Que vai a
minha ideia.
-- Mas não está
bem definida.
-- Tem de ser
mais madura.
-- Eleger o
tempo como um simples embuste.
-- Faz mal ao
coração.
-- Cortado ao
meio.
-- Para dentro
duma tijela.
O Ocorrente anda
pela rua do Loreto com umas roupas próprias, muito velhas e sujas, e nesse
tempo os três empregados da Biju estavam como eram e não se entendiam mais, e
nesse tempo a bola não parava no mesmo sítio, e meu irmão estava também noutro
sítio, e meu pai também, cada um por si estava no mesmo sítio, e nessa medida
não se podia ser uma águia pesqueira, nem virar de fora o baile de máscaras,
porque não havia remédio.
-- Ninguém tinha
dinheiro para tal.
-- Era uma vez
uma situação inquebrantável.
-- Na caixa do
correio.
-- Com as mãos
atrás das costas.
-- O vento a dar-te
na cara.
-- Dessa vez em
território nacional.
-- Sem fronteiras.
Cena
25) Raízes que vêm para cima e pela boca abaixam. E não tem
maneira de se controlar o derramamento de sangue pois está vazio o corpo
estendido
Da tua cabeça,
como se fosses outro sem saberes quem eras; e o que tinhas de fazer era
colocar-te no mesmo lugar de sempre, para que os hábitos se equivalessem e se avaliassem
por quem de direito.
-- Se encaixassem
bem.
-- É preciso que
eu.
-- Não.
-- Ele.
-- Não.
-- Tu.
-- Ponha os pés e
as mãos no chão
-- Com o dedo
mindinho no ouvido.
-- À espera que
passem as cócegas.
-- Doroteia, meu
amor!
-- Ah! Doroteia,
meu amor!
-- Aqui nem nada
acontece.
-- A não ser bem
longe.
-- Na terra do
fogo e da água.
-- Porque
estamos paralisados.
-- Os meus
neurónios aqui à minha volta.
-- Se me dás
licença eu explico.
-- Não quero
explicações.
-- Pois é.
-- Já percebi.
-- Não precisas
de explicações.
-- Pois eu não
dou.
-- Fico aqui
muito bem sentado.
-- A uma ideia
vai outra de caminho.
-- Estou bem.
-- Estou sentado.
-- Não espero
águia dos ventos.
-- Também pode
ser quando bem quiseres.
-- Vou para a
rua.
-- Basta
levantar-me desta cadeira.
-- Ir.
-- Não deixo o
meu fio soltar-se.
-- Agarra-se ao
modelo.
-- Vou para a rua.
-- Mas não tens
coragem.
-- Estás com o
rabo colado aí.
-- Quantos
corações impregnados.
-- Quantos medos.
-- É isso.
-- Tenho medo de
me ir embora.
-- Ficar sem
nada.
-- A minha
cabeça fica vazia.
-- Mas tu não
tens nada.
-- Pois é o que
eu faço
-- Com as minhas
mãos.
-- Tenho medo de
ninguém querer saber de mim.
-- É o que mais
me custa.
-- Como arrancar
um dente a frio.
-- Tens de ser
mais desprendido.
-- Tens de
passar fome.
-- Tens de
morrer de fome.
-- Estás doido.
-- Não quero.
-- A partir
desse momento podes ir para dentro.
-- E para fora.
-- Que não te
importas.
-- És manipulado.
-- Se quiseres.
-- Pelas instâncias
inferiores.
-- E superiores.
-- A vez e a voz
calam-se.
-- Pode ser por
esse sistema.
-- Podes criar
raízes.
-- Que vêm do
chão para cima.
-- E pela boca
abaixam.
-- E essas
raízes é que não te deixam pular para a frente.
-- Se elas estão
na tua cabeça é no sítio pior.
-- E depois no
corpo todo.
-- É preciso
fazer um estudo.
-- Não tem a ver
com isso.
-- Já sabes o
que tens de fazer.
-- Eu já tentei
muitas vezes sair desta cadeira para fora.
-- Não consegui.
-- De cada vez
que tento no fim arrependo-me.
-- A cadeira
goza comigo.
-- Como se eu
tivesse cometido um grande pecado.
-- E quem sabe
se não é verdade?
-- Ao tentar
arrebentar as correias.
-- Fico com
remorsos e cansado.
-- Mas é porque
não sei como estar sozinho.
-- Se bem que
esteja sozinho.
-- Aqui estou
acompanhado pelo meu remorso.
-- E é assim
muito bom.
-- Porque posso
voltar atrás.
-- E ir à frente.
-- E ninguém me
ataca.
-- Estou
incógnito na moldura familiar.
-- Frente a milhares
de reses.
-- Eu não sou
nenhuma delas.
-- É assim
melhor.
-- Mas é também
pior.
-- O medo
retira-me acção.
-- Por isso também
o melhor mesmo é ficar toda a vida assim inerte.
-- Até ir para o
céu.
-- Também posso
aligeirar a pressão.
-- Tentar chegar
primeiro que o fio de cobre ligado ao rastilho.
-- Do rastilho vai
a calamidade do pior.
-- Que o melhor
não me atrasa nada.
-- Bem que se está
aqui nesta calma sala em tudo de bem-estar sentado nesta hora imortal.
-- Nesta hora de
jantar nos braços da Gracitara.
-- Que me dê a
comida com delicadeza.
-- Seja ela a
servir-me.
-- Com um
sorriso nos lábios.
-- A minha
comida tão fraca.
-- Para mais um
dia.
-- Mais do mesmo.
-- E do menos.
-- Não sabia.
-- Nem devia
deixar de saber.
-- Das notícias que
se introduzissem aqui.
-- Porque então
ficaria ao contrário.
-- O melhor é
não receber nada.
-- Ou tudo pelos
ecrãs.
-- Talvez seja
melhor tudo pelos ecrãs.
-- Nessa altura
entra.
-- Não é o mesmo
que acontece.
-- É o mesmo e
não é.
-- Dessa forma
estou assim presente.
-- Enquanto os
raios das paredes espetam-se nas carnes.
-- Sem dor e sem
trabalho algum.
-- Tem dias que
serão assim.
-- Tem dias que
não.
-- Pode um dia
ser semelhante ao outro?
-- Não.
-- Ocorrente,
-- Não.
-- Ora Entorno,
-- Não.
-- Não pode.
E, nessa tarde
de ninguém a descer, foi perdido o braço direito da guerra, a ver o sangue a esguichar;
e não há maneira de se controlar o derramamento de sangue, pois está vazio o
corpo estendido; e as armas despejam as balas nas ruas, e há uma invasão de
bandoleiros; e o pior é as tripas, que depois vem merda com sangue.
-- Tudo junto ao
mesmo tempo.
-- Querem pois
fazer visita ao templo e não fazem.
-- Querem
perceber e não percebem.
-- É bem verdade
que não há argumento nesta Calçada a um décimo dali.
-- O mariola
pela mão agarra a carteira.
-- E vai e vem
uma.
-- E passa no
passeio acordo de casa.
-- Não tanto
como eu pensava.
-- O dia entra
em casa.
-- Entra no café
para tomar uma bica.
-- Dois e meio a
bica.
-- Fica mais um
bocado.
-- A fazer
castelos na areia.
-- É dia de reforma.
-- Não tanto
assim o corpo já sem sangue no movimento da guerra.
-- Os buracos.
-- Os carros.
-- As camionetas.
-- O correr das
pessoas.
-- Lindo dia
para o trabalho correr.
-- Ficar na rua
por baixo das sombras das árvores das avenidas.
Os corpos
arrumam-se entre os carros, nos estacionamentos, e assim o sangue pode correr
na estrumeira da rua, e não vai parar ao mar, pois é filtrado na estação de
tratamento, e são de vistas e de cristas aceradas os grandes palácios, cheios
de candelabros; e as grandes festas na baixa, não nas ruas.
-- Sim.
-- Na paz.
-- Na única
avenida de mim para mim.
-- Não saio
porque me vão criticar.
-- E eu não
aguento críticas.
-- A Gracitara
ao mesmo tempo me faz carícias.
-- Ao mesmo
tempo me amarra a pensar nela.
-- Porque ainda
julga que tenho o fio da bomba.
-- É provável.
-- A gente tem
que aprender sempre.
-- Por isso o
meu amigo Ocorrente é o único que me consegue chegar perto de mim.
-- Por isso
mesmo.
-- Por estar
rente ao chão.
-- Mas ele pouco
pode fazer.
-- Apenas falar
comigo.
-- Ah.
-- Mas isso é
bom.
-- O que mais
desejo é falar.
-- Com ele.
-- Com alguém.
-- Apesar de estar
à vista de toda a gente é prematuro saber a verdade.
Se é ou não o
dia e a hora certa, porque meus pais não podem e meu irmão também tem a sua
vida, e todos têm a sua vida, e eu não quero sobrecarregar ninguém; e é esta
bondade importante para a minha boa consciência; e os donos estão vendo o bom momento
de forma, e é importante aguentar as pastas armadas; e a hipótese de falar é o
mais relevante.
Cena
26) Se uma mão não se soltasse directamente para o mar. A
cozinheira diz, sai isto ou sai aquilo e lá vai este ou aquele buscar a vianda
Pois o que quero
é continuar aqui à espera, e quero que vocês acreditem que o quero fazer com
toda a minha força e ainda que o não saiba tenho de saber, porque é assim que
deve ser, e só falo sob palavra, mesmo que ainda não queira, e só veja se
quiser ver; mas entretanto o que se passa de roda de mim é que nesta história
não há sobreviventes.
-- A não ser que
haja condições.
-- E é isso
mesmo.
-- E desligo.
-- E ligo
-- Ao meu pai.
-- Quando o vejo
a subir uma ladeira.
-- Que não
existe.
-- Eu digo que
estou parado.
-- Mas ele não
me ouve.
-- E continua a
andar.
-- Minha mãe
também é a mesma coisa.
-- E meu irmão.
-- E minhas irmã.
-- Começamos
todos a criar o nosso ramo próprio.
-- E a ficar sem
uma ideia pouca que seja.
-- É por isso
que o meu desejo não se me entende.
-- Nem eu o
quero.
-- Ou eu não
posso.
-- Com o que
queria ter.
-- Que era fazer
amor em grande.
-- Estrear-me.
-- Não ter uma
mandona a chatear-me.
-- Com ideias de
começos.
-- Ou
desistências.
-- Fornicar e ir
para casa.
-- A pente fino.
-- Não é isso.
-- Não me dêem
ideias.
-- A Gracitara
anda a olhar-me.
-- Mas eu não quero
nada com ela.
-- Ou talvez não.
-- Talvez até
fosse bom na cama.
-- Ela pegar-me
na piça.
-- E por aí
adiante.
-- Não tenho
tempo para isso.
-- E demais amarrou-me.
-- E porquê?
-- Deve ser dos
frangos.
-- Para eu não
comer.
-- Ficar aqui só
a ver.
-- Não estás a
ver, meu parceiro.
-- Estás bem é a
fugir com o rabo à seringa.
-- Com que
enfrentas os bandidos da Nossa Senhora dos Remédios.
-- É mais por aí
que deixar-me.
-- Se uma mão não
se soltasse directamente para o mar.
-- Directamente
debaixo de água.
-- E na fronte o
cabelo caído na testa suada.
-- Mas não do
calor.
-- Mas sim do
pânico.
-- Ainda hoje
abafado.
-- Ainda há pouco
eu saí daqui.
-- Com um metro
de fita-cola.
-- Que se me embrulhou.
-- Colou-se-me
nas mãos.
-- Fiquei
peganhento.
-- Não tem aquilo
que é depois da espera.
-- Os briosos
que se matem.
-- Dessa maneira
a mesa está um pouco desequilibrada.
Os manos na
minha frente comem que nem uns desalmados, e eu apenas me vejo transparente a
ruminar como um cavalo de estrebaria, com os olhos grandes, a olhar, pesado e
moço, sereno, eu nesse mês podia anunciar o início de uma nova era, já agora.
-- Meu pai está
de volta de si.
-- O iluminar da
gente.
-- E mais não
está para uma.
-- E outra não.
-- E a minha mãe
é assim.
-- E está mas
não está.
-- Há a falta.
-- E o que eu
vou fazer é soltar-me.
-- E nessa
altura meu pai fica aliviado.
-- Porque é
melhor para ele.
-- Está mais
aliviado.
-- É menos uma
chatice para ele.
-- E eu perco-me.
-- E não queria.
-- Se fosse
diferente do que seria.
-- Se ele
mandasse para a frente.
-- Se chateasse.
-- Mas nem isso.
-- Estou lançado
na minha vida a todo o vapor.
-- E eu digo aos
meus.
-- Mas os meus
preferem não.
-- É nesta sala e
não noutra que nada parece.
É por isso mesmo
que os três rapazes se levantam no ar e trazem os pratos, depois de os irem
buscar à portinhola; a cozinheira diz, sai isto ou sai aquilo, e lá vai este e aquele
buscar a vianda.
-- Alma de quem
se parte.
-- Não é por vinho.
-- Nem por marítimo.
-- Nada é mais
branco do que o inverno.
-- Este Joni e
estes todos comensais são capazes de terem o cérebro aberto ao tempo.
-- E nessa
altura não há que dar esmolas ao Ocorrente.
-- Seria útil
nessa altura.
-- Para falar um
pouco.
-- A minha palestra
é num pouco.
-- Não mais do
que num pouco em nada.
-- É normal.
-- Será por isso
a luz a mandar.
-- A luz da
tarde dá a entender o sentimento da tarde para a noite.
-- A luz da
noite dá para o fundo onde tudo pode dar tudo.
-- É o invisível
nesta atitude em que todos querem nascer na Biju.
-- Melhor nascer
lá do que depois ficar perdido no mar.
-- Na Biju as
cadeiras de madeira.
-- Os balcões
são iguais durante cinquenta anos.
-- Têm sido os
mesmos sem tirar nem pôr.
-- Eu não posso
mudar nada.
-- Apenas fico.
-- A eles os
três não digo quem nasceu ali num passo menos atrás.
-- E se esse
passo não existir é pior do que tudo.
-- A Biju e eu ouvimos.
-- Eu ouço
voltar ao ponto atrás de antes.
-- Eu ouço o meu
barulho de outro tempo.
E a linha da
bomba é que entra aqui, porque tinha pensado que era outra a linha das mãos, e
tudo se alterou a partir de dentro, a cozinhar casamentos, entre o dia e a
noite; e depois a ter de se fabricar um carro e uma casa; e o expediente teve
de ser mudado de cor.
-- Foi para casa.
-- Para a
cintura industrial.
-- E para a psicóloga
tarada.
-- Na fronteira
viu-se bem.
-- Eles a voltar.
-- E a sair de
lá de dentro para fora.
-- Porque há o
dia principal em que os pés andam para trás e para diante.
-- A partir da Biju
de repente há um grande.
-- E um pequeno que
não se serve.
-- Só sendo bem
visto é que se pode.
-- Noutro dia
não.
-- Noutro dia em
que os ingredientes foram contrários a tudo.
-- E na Biju as
bebidas estavam partilhadas.
-- Com todos na prateleira.
-- Com garrafas
iguais.
-- E o café de
saco com pimenta nesse dia.
-- Todos têm dois.
-- E mais dois.
-- Afazeres
directos.
-- Depois daí há
que percorrer o passeio em frente.
-- E só no fim é
que se sabe o resultado.
-- Esse grande resultado
tem de se perceber.
-- E se não se perceber
olha as caras da Biju.
-- E mulheres.
-- E homens.
-- E rapazes.
-- E raparigas.
-- Têm de
perceber como se serve uma bica.
-- Em condições profissionais.
Eu digo bem de
todos com o coração aos saltos; mas a porta da Biju dá entrada e saída, de
manhã, no primeiro dia do navio, chegado com um furacão; e não estava previsto
como seria no fim de tudo.
-- A coisa teve
de mudar para outra extensão.
-- No preciso
momento em que se acabou.
-- Não eu.
-- Nem os três
da Biju.
-- Um à caixa.
-- Outro nos
bolos.
-- E outro no
café.
Cada um com a
sua tarefa definida, e a equipa é essa, diferente da do real Príncipe dos Frangos,
pois a equipa do Príncipe está à mesa e na cozinha, e tem os rapazolas
brincalhões, que andam aprumados, à mão do Joni vermelhusco.
-- Não.
-- Naquele dia
eu fui ao fundo.
-- E no outro
dia também fui.
-- Esse primeiro
na Liége.
-- Chicharros
mais ou menos bons.
-- Não à minha
maneira.
-- Mas na Biju o
enorme sim é doutro modo.
-- É menos cheio.
-- Fica-se com
um bocadinho de vício do cigarro.
-- Posso essa dúvida
pô-la a meu pai.
-- Lá está.
-- E eu penso
que ele não está.
-- Que ele quer
vir ou não quer.
-- Ele não se pressente
e é todo de principiar.
-- Não há valor.
-- Há uma coisa
diferente do que se quer.
continua....
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