Tuesday, September 24, 2013

texto nº 5 - dos efeitos das marés nos cabelos das árvores







texto nº 5 - 

dos efeitos das marés nos cabelos das árvores

Cena
20) A contabilidade das ondas de choque

-- E influenciar na graça de deus nosso senhor.
-- Que para lá longe também vão as gorjetas que não dou.
-- Porque não quero justificar perante o céu.
-- Essas misteriosas águas onde me prendo.
-- Todos os ricos dias santos.
-- E a verdade é que os comensais estão todos à mesa.
-- Como se não tivesse acontecido nada.
-- Mas é falso.
-- O que estava previsto era a retirada estratégica destas pessoas para a rua.
-- O Joni via-se e desejava-se para acalmar as hostes irrequietas.
-- Todo o tempo a puxar o controlo do tempo.
-- Esse é o mesmo que se encontra na terra.
-- Não.
-- A verdade não se esforça a deitar o olho para lá do miradouro a ver se percebe.
-- Mas depois volta a cara para dentro.
-- A minha marreca feia.
-- Eu não percebo em que dia do ano morreu o meu ser.
-- Não que isso importe muito.
-- Mas para me balizar.
-- Ver onde estou.
-- Na resma de papéis em casa.
-- Ou na porta de fora.
-- Com a mão à mostra.
-- Pode ser aí.
-- Eu levo todo o género de coisas para casa.
-- Para passar nos corredores.
-- Onde a escuridão ou a diferença entre a luz e as sombras não troca de vistas.
-- Essa pode ser escolhida.
-- A cozinha.
-- Não é preciso começar do princípio.
-- Ver como ela se desenrasca.
-- A Gracitara antes apreciada.
-- Mas agora não muito.
-- Se bem que a tivesse mandado embora preciso dela outra vez.
-- Para me situar nesta engrenagem.
-- A ver como depois da bomba ela se vai precipitar para cima das mesas todas.
-- A gastar toda a prata da casa.
-- Todas as encomendas.
Aí estão a produzir-se os gastos necessários à cozinha; e é um dever da Gracitara seguir esse rumo, conjugada com o Joni fiscal, com o casaco grená de bom-tom e uma gravata azul escura, e camisa branca e calças cinzentas, e sapatos castanhos.
-- Ao que consta nada disso é importante.
-- Mas ajuda a perfazer o tempo necessário
-- Para percorrer o rio a horas de chegar ao outro lado.
-- Ver Aparecida.
-- E o seu baile de máscaras.
-- Ele sabe que é assim.
-- Não se desligue da peça começada à lareira.
-- Não que não seja tempo para isso tudo.
-- Escolhido a bem da zona escolar.
-- Rente ao pórtico da zona sul.
-- Tempo estratégico.
-- Na mão de deus está essa Gracitara.
-- Ainda bem.
-- Depois pergunto-me a mim mesmo como tirar o garfo.
-- Como permanecer o tempo todo direito que nem um fuso.
-- Os olhos apertados.
-- As narinas nem se mechem.
-- Nada bule.
-- No entanto um vulcão lavra dentro de mim.
-- Ronca mais terrível que mil bombas.
-- Não se sabe de nada.
-- De nada se pode viver.
-- Não se sabe da Biju.
-- Nem dos seus três empregados. 
-- Nem de mais um que anda cá fora nas mesas a servir.
-- A deitar leite no café ou a receber os trocos.
-- Graças a deus tudo começou bem.
-- Eu abri o livro naquele dia na Biju.
-- O que me veio à ideia foi a terrível verdade.
-- Não estou aqui para o bem de todos.
-- Haja paciência.
-- Ao meu lado o colega que me viu a esbranquiçar o rosto ficou paralisado.
-- O que vinha aí não era bem assim.
-- Dizia-se ser mais do que isso.
-- Sim.
-- Estava a aprender na escola as primeiras contas.
-- A engenharia contabilística dos tempos modernos.
-- Era isso que estava a aprender.
-- Com a visão pessimista da época.
-- Comprando as mercadorias.
-- No papel das disciplinas.
-- Aparelhadas de novo.
-- Esse era cá um bigode infernal.
-- Era isso.
-- Porque eu estava parado.
-- Percebia muito bem o tempo a passar.
-- Estava à espera era da minha pescadinha com o rabo na boca.
-- Viria ou não.
-- Ninguém se impressione pela experiência da contabilidade.
-- O Joni também não.
-- O mais interessante é a Gracitara aferrada ao canto de olho brilhante.
-- Mas é só por escassos momentos.
-- Outra vez chega o Joni.
-- Ela deixa de ser a Gracitara para meu desgosto.
-- E para desgosto de todos nós.
-- Estamos bem na graça de deus.
-- Entenderia eu que assim fosse.
-- Mas olhando bem para os rostos dos que me rodeavam percebia-se alguma coisa.
-- Mas ao fim de algum tempo não se percebia nada.
-- Quanto mais tempo havia menos se percebia.
-- Então para quê andar com estas insinuações.
-- Para quê pensar diferente do costume?
-- É a visão que há por dentro.
-- E por fora.
-- Rente à terra.
-- Será bem fechado a cadeado o nome que agora se diz.
-- Para não se dispersar.
-- Eu poderei ter que me deixar reviver.
-- Com o templo de deus ao meu lado.
-- Nas areias quentes.
-- Com os pilares abertos.
-- Erectos ao céu.
-- Nessa meteorologia quente e silenciosa o nome de deus ressoa por todo o lado.
-- Não foi assim.
-- Não podes dizer dessa maneira acentuada.
-- Não chegamos a conclusão nenhuma.
-- O nome de deus ao ser invocado é o próprio deus que invocas.
-- Não sei.
-- Pois se não sabes devias saber
-- Nada.
-- Daí onde é que queres ir.
-- Não sei.
-- Estamos aqui bem mas temos que nos ir embora.
-- Ficamos a jantar os dois.
-- Dá-me um bocadinho de pão.
-- Come depois o pão.
-- Não.
-- Agora.
-- Eles ainda nos dão uma cacholada.
-- Não dão nada.
-- Não estão a ver nada.
-- Mas mesmo assim é como se estivessem a ver.
-- Também emprenhas dos ouvidos.
-- Não fazes nada porque julgas que te estão julgando.
-- Ficas paralisado pelas opiniões dos outros.
-- É capaz de ser verdade.
-- Mas não fiques triste.
-- Estou-me marimbando.
-- (E dizendo isso perdeu o pé e o silêncio apoderou-se da mente).
-- (Da minha mente).
-- (Estava tão bem desse modo entregue a si mesma).
-- (Estava livre para andar em todo o lado).
-- (Essa era a face boa da questão).
-- No inverno não caía neve na cidade.
-- Mas lançavam neve artificial.
-- Adoro neve artificial.
-- Depois escorregar deitado.
-- Porque não consigo ter-me em pé.
-- Isso foi daquela vez.
-- Mas todos temos de perder alguma coisa.
-- Eu aprendo muito bem estes desígnios da contabilidade.
-- É por isso que me vou deixar adormecer.
-- Não.
-- A contabilidade é uma ciência dos outros.
E depois, olhando para dentro, deu-se outra vez um grande estrondo, e mais um, mas agora mais perto.

Cena
21) Todos os bocados do corpo são juntos e cosidos à mão com linha bastante rija

-- De tal forma que obriga os comensais a ficar mais atentos.
-- E não é que possa ser aqui mesmo.
-- Não se olvide essa possibilidade.
-- Uma de entre tantas.
-- O que vai na cabeça dessa gente não se sabe.
-- Na minha também às vezes não sei.
-- Porque eu não quero ser definitivo.
-- E acabar com toda a esperança.
-- Seja como for o estrondo foi valente.
-- A casa tremeu.
-- Mas quem sabe o que anda por aí nas cavernas da memória?
-- É o que se percebe à primeira vista.
-- Sem razão aparente.
-- E no caso da Gracitara percebe-se que se sente mal.
-- Porque é tão jovem quanto eu.
-- E pergunto-me porque ando aqui a merecer esta aparência de jovem desempregado com umas lecas para não morrer de fome no meio da multidão?
-- É esse risco que tenho de correr.
-- A jovem Gracitara afogueada vai ter de se ir embora da sala.
-- Não faz nada aqui.
-- Só estorva o movimento cadenciado das bocarras dos bem-apessoados atletas da comida a contar quantas explosões houve hoje na cidade.
-- Se fosse ontem era uma coisa.
-- Se fosse hoje era outra.
-- É conforme o que tem de se fazer.
-- Depois é preciso contar os mortos.
-- Saber se hoje morreram mais do que ontem.
-- Esses mortos normalmente vão para o céu.
-- É por isso que não se percebe muito bem.
-- Mas eu não quero saber disso agora.
-- Antes deixar tudo noutra cena sem mortes nem bombas.
-- E no entanto é muito difícil seguir este caminho na minha posição sentado
-- Parado como uma estátua.
-- Com a minha respiração cadenciada mas imperceptível.
-- A precisar os movimentos dos outros que não os meus.
-- Isso se pudesse ser assim desse modo.
-- Com o coração despedaçado pelo desgosto da imobilidade.
-- Que tantas vezes me toma conta de mim.
-- Aos pares.
-- Com doses cavalares de veneno a querer que tudo o resto se desmorone em terra.
-- E dê no chão.
-- E se eu permanecesse aqui?
-- Com aquele que eu disse que estava ao meu lado.
-- Eu não cumpriria o meu desejo.
-- Mas ao mesmo tempo sei que não é o meu desejo a chegar.
-- E que a chegar chegue quando lhe for oportuno.
-- Assim mesmo se poderá gizar um plano.
-- Aí está outra vez o meu imprescindível amigo.
-- Querendo meter a pata onde não é chamado.
-- Que fique por lá à vontade.
-- Sim.
-- É a verdade pura e dura.
O melhor de tudo começa nesta deriva de mim mesmo pelas ruas, com o espírito aberto ao mundo, mas encolhido perante a grandeza do que está lá fora, visto do meu próprio esconderijo; e mais a mais, nas ruas por onde passo com os olhos baixos, nem levanto a cabeça, tenho receio de me enganar no caminho e de olhar para os lados, por causa dos perigos grandiosos que espreitam a cada esquina, cheias de sombras e medos; e é por isso que as ruas me causam repulsa nestes dias, que têm de ser marcados, bem como os dias que correm, virados dum lado a outro; os dias dos tiros e das almas perdidas no mundo, entre gritos e mais gritos infindos, sem se saber aonde vão, esses gritos.
-- Eu não sei.
-- Quando vou na rua não olho para o céu.
-- Nem vejo mais do que as pedras do caminho.
-- Ou o alcatrão.
-- É esse o princípio apegado a outro princípio.
-- Não sei o fim de tudo.
-- Mas agora estou a um pouco de tempo de continuar com a minha contabilidade.
-- Em vez das coisas externas irem para as internas.
-- Essas têm a particularidade de serem uma coisa mas mostrarem outra.
-- Nunca são as mesmas coisas.
-- Essas coisas externas são palavras e expressões dos homens e das mulheres.
-- Será isso que terei de contabilizar.
-- Por isso mesmo tenho a minha contabilidade analítica que fica para a próxima.
-- Porque tem de se prever os custos inerentes a cada expressão facial.
-- Ou a cada palavra.
-- Estes custos encobrem o que não se vê.
-- E ainda mais o que se vê.
-- Nessa palavra o caminho ou a rua que tem o meu nome não o tem.
-- É por efeito dessa contabilidade malina da mesma maneira.
-- Agora mesmo.
-- Ou daqui a bocado.
-- A tal explosão entrará por esta sala estrondosamente.
-- Ou nem teremos oportunidade para experimentar o som da dinamite destes dias completos.
-- É assim mesmo.
-- Os frangos assados no espeto voarão sem asas desfeitos.
-- E o resto será carne assada e pés de galo no frigorífico.
-- Mesmo assim não sei se isto é verdade.
-- Cabe ao Joni disto saber ao certo.
-- Coitado dele.
-- Afogueado que está.
-- Com os comensais dum lado para o outro.
-- A entrar e a sair.
-- Sem nenhuma regra adicional.
-- E na hora certa desfilarão em frente da porta.
-- Todos hirtos.
-- Mais o casal.
-- E eu próprio com o casaco do avesso.
-- E com um chapéu de palha.
-- Porque será no verão.
-- A prestar contas.
-- A ver os mortos que somos.
-- Se estão bem.
-- Ou se foram para o céu.
-- Como os das bombas vão.
-- É mais ou menos assim que tem sido dito às pessoas.
-- Mas também se não é assim fica sendo.
-- Porque quem morre com uma bomba merece ir para o céu.
-- Onde todos os bocados do corpo são juntos e cosidos à mão com linha bastante rija.
-- Para não se desconjuntarem.
-- Passado algum tempo não se nota.
-- E há razão nisso.
-- E se não há é como se houvesse.
-- Não estou esclarecido em muitas matérias.
-- Mas nessa matéria fui esclarecido antecipadamente.
-- Tirando toda a carga simbólica que advém do que é dito a verdade é que a verdade dos estouros das bombas que rodeiam a sala de jantar só existe na cabeça.
-- E continuo a querer entrar na perspectiva do casal.
-- Só para entender o que estão a fazer ali ao lado.
Poderia perceber se trazem uma bomba, mas não perceberia outras coisas igualmente importantes, e todos os outros não seriam investigados, e poderia o casal ser um jovem casal, ou um velho casal, também por aí não me pega a memória, e é mais uma coisa velha do que nova, e todos entram em acordo, dum modo ou doutro, porque tem de haver uma ideia que leve o fio para fora da rua, o fio que liga a bomba.

Cena
22) Como é que vou gastar as minhas horas de verão quando a cidade está vazia e todos os perdigueiros andam à caça

-- À minha mão.
-- Aqui nesta mesa onde tenho o poder todo na minha mão.
-- Se é neste dia ou noutro a diferença não existe.
-- Não há que perder tempo.
-- Com estas minudências do casal e companhia.
-- Mas não estou para aí virado.
-- Uma vez que a questão do fio.
-- Entenda-se.  
-- Pode também ligar ao coração do índio.
-- E está o casal a um passo feroz.
-- E a outro.
-- Olhando disfarçadamente para o lado.
-- Onde ninguém quer perceber do assunto.
-- E deseja é virar costas.
-- Não é verdade isso.
-- Não se denota no tambor de guerra.
-- Nas escadas ao cimo.
-- A bater uniformemente a balada do guerreiro.
-- Única voz a insurgir-se.
-- Todo o tempo do mundo é esse.
-- O meu bem de amor a esse tempo.
-- E a outro atrás do mais.
-- Não há inverno que sempre dure.
-- Nem verão infernal.
-- É mesmo no meio da parada.
-- A dar as boas vindas no Largo do Calhariz.
-- Às duas da tarde.
-- O sol a pino entre a Caixa e a Biju.
-- Já deixadas a dormir.
-- E a Tabacaria também.
-- Um cigarrinho deixado à porta.
-- À sombra.
-- A esta hora depois do almoço.
-- Desdobro-me nas minhas tarefas universais.
Vou à Biju e depois tenho de voltar para casa, ou depois vou para baixo, pela rua do Loreto, e às tantas tenho de perceber como é que vou gastar as minhas horas de verão, quando a cidade está vazia, e todos os perdigueiros andam à caça; e eu neste aperto sento-me na Biju a ler, a ler e a não fazer nada.
-- A tomar a bica.
-- A passar o tempo.
-- E o tempo a não querer passar.
-- Para onde ir?
-- Talvez para casa.
-- Talvez para lado nenhum.
-- Quem está à minha espera?
-- Ninguém está à minha espera.
-- Todos estão a ver.
-- A ouvir a bola.
-- Hoje é assim.
-- Amanhã posso acordar e ir à missa.
-- Mas não serve.
-- Bebe-se bicas e fuma-se.
-- E depois nada.
-- E depois dorme-se.
-- E depois come-se.
-- É o Regimento de Infantaria Onze.
-- Não é não.
-- É na Luz Soriano.
-- São nesses cantos da travessa.
-- Agora pode até ser outra coisa.
-- Mas não no azul.
-- Nem uma nuvem contém frescas noites.
-- Nada.
-- Frescos dias.
-- Apenas a chuva.
-- E a Biju sonolenta.
Quase de manhã não se faz nada, mas é preciso é comer alguma coisa, e a verdade resvala, e não há nada a fazer.
-- É esperar.
-- A bica arrefece.
-- É gelo.
-- A bica perde aquele gosto.
-- Depois não há tempo para ver e para estar.
-- Os três estão de serviço.
-- Aqueles empregados da Biju.
-- Mais ao lado entra outro.
-- Não está permanentemente.
-- É assim ao dia.
-- E ao mesmo tempo faz-se a ponte.
-- A ponte entre o primeiro dia e o último não se faz.
-- Todos estão de acordo.
-- É por isso que não me cruzo com ninguém.
-- Ainda estou em jejum.
-- Ainda tenho de me ir embora.
-- Nesse tempo.
-- Aqui e agora.
-- Estou agarrado ao fio da bomba.
-- Mas não sei se é esse mesmo.
-- Se fiz outro dia o mesmo ignoro.
-- Mas será mesmo o fio da bomba?
-- Que está nas minhas mãos?
-- Não pode ser.
-- Nem eu quero que seja.
-- Foi um acaso.
-- Talvez alguém mo tenha colocado nas mãos.
-- Por causa da minha posição de espeto.
-- De espectro.
-- Mas se fosse eu sabia.
Os rapazes andam cada vez mais divertidos e julgo ver o Joni a brincar com eles também, e a Gracitara a rir-se com os comensais, e essa agora é que me admira muito; toda esta cena não teria merecimento se eu não tivesse o fio da bomba.
-- Mas eu não tenho o fio da bomba.
-- É impossível.
-- Nem eu queria.
-- Nem me dou ao trabalho de o ter.
-- O fio da bomba foi canalisado dali para dentro por um canalizador à altura.
-- Deve ter sido nos dias dos santos populares.
-- Com as sardinhas a assar ninguém se apercebe.
-- Porque andam distraídos.
-- Assim é fácil aplicar este golpe matreiro.
-- A verdade pode não ser.
-- A qualquer altura podemos dizer uma coisa agora e depois a seguir outra diferente.
-- Ninguém se importa com isso.
-- Porque as pessoas têm de conhecer por elas próprias.
-- Independentemente do que dizem os outros.
-- É essa a minha opinião.
-- Não quer dizer que seja minha.
-- Mas pode ser.
-- Posso considerar para fins terapêuticos.
-- Todos têm esse direito de dizer e não dizer.
-- É o que se diz.
-- Eu sei muito bem como me conduzir.
-- Primeiro é preciso considerar.
-- Segundo é preciso considerar.
-- É uma sequência de considerações que dão a verdadeira dimensão do assunto.
-- E já que a Gracitara está satisfeita.
-- E o Joni também.
-- Eu devia seguir-lhes o exemplo.
-- Mas o problema do fio da bomba torna-me especial.
As minhas noções de guerra são muitas, mas nunca tinha apanhado uma bomba como tarefa; e deve ter sido alguém que me atacou à falsa fé e me jurou mil anos de perdão.
-- Deve ter sido.
-- Esta tarefa é diferente de todas as outras.
-- Que até agora me têm sido incumbidas.
-- É diferente até ao último tostão.
-- Não sei.
-- Agora penso na família.
-- Pois um fio de bomba não é para se brincar.
Mas ao mesmo tempo os meus olhos mantêm-se direitos a todo o comprimento da zona h, pois tinha de ser definida por mim à partida, para contentamento de todos, e para que os efeitos fossem os mais devastadores possíveis.
-- Isso me disse o meu Ora Entorno naquele dia.
-- Mas não estava nada previsto.
-- Esta coisa tem sido diferente.
-- Acho que não é nada comigo.
-- Como podia ser eu com uma bomba nas mãos?
-- Não estou bem.
-- À viva voz reconheço a passagem.
-- O meu Ora Entorno aparece mesmo assim nessa tal hora combinada.
-- Na clarabóia à frente da janela.
-- Com os papéis em cima da cama.
-- Todos a pensar e a não pensar.
-- É por isso diferente.
Em vez de ser simples, poem-se condimentos nos fios das bombas, e o sabor deles, de atirar às moscas, é para as pessoas ficarem irritadas e puxarem o gatilho, é uma boa estratégia.   

Cena
23) Numa margem de erro só lá cabe a aritmética e a informática para apontar bombas

-- Mas sou eu próprio o meu conselheiro.
-- Não sou assim tão mau como isso.
-- É uma vantagem ser bom e caridoso a pensar nos benefícios que isso pode dar.
-- E mais nas vantagens futuras.
-- Com certeza.
-- Com o cálculo dos proveitos e das despesas.
Era por isso que eu dizia ser importante a contabilidade na arquitectura das ideias, pois há sempre um defeito a apontar, e agora foi por isso que o tal Ora Entorno me pôs na diferença entre começar e não acabar.
-- É alguma coisa mais rebuscada do que se imagina.
-- Todos têm o seu quinhão de interesse na divulgação do evento.
-- Assim possa ser.
-- Assim me digne ter a coragem de puxar o gatilho.
-- Essa seria boa.
-- Muito boa.
-- Se o inverno cá chegasse.
-- Não conto com isso para nada.
-- Aqui como estou sozinho só tenho de me movimentar.
-- Com o sentido do dedo mindinho.
-- A um lado.
-- No esquerdo.
-- Nasce um dedo.
-- A outro nasce um pé.
-- O mais tardar não tarda.
-- O meu horror está a ficar entaramelado.
-- Neste ambiente de sala de jantar.
-- A minha.
Era por isso que eu queria que fosse como era antes na minha terra com a minha família, sentado à mesa com meus irmãos e meus pais; mas aqui é diferente de tudo, como se fosse um mundo divagante, contra o concreto.
-- O ar condicionado partido.
-- Também acresce a isso o suor a juntar a sopa quente.
-- E as maleitas do tabaco.
-- O fumo agora não é o problema de maior.
-- Que de todo o resto do mundo chega.
-- Vai de retro satanás.
-- Esse fumo balança.
-- Entra na cozinha.
-- O suor cai na sopa e no borrego ensopado.
-- Mas se for no forno é diferente.
-- O chão está impecável.
-- É sempre lavado com esfregona e lixívia.
-- Apenas o fumo traz uma névoa.
-- Que é como um nevoeiro.
-- Tal que ninguém vê o mundo.
-- Este tem de ser lavado.
-- Mas em outro dia qualquer farão isso.
-- Esse dom de caridade e bondade.
-- Se for outra vez pode caminhar como quiser.
-- Eu vou seguir assim.
-- Esquecer o fio da bomba que está nas minhas mãos.
-- Sopro um lamiré e lá vai fio.
-- Lá vai bomba para a puta que a pariu.
-- Sabe a sorte que os comensais têm.
-- E o casal ruminante.
-- Nessa hora o Ora Entorno pode estar a fazer a sua tarefa.
-- Tem várias reuniões por dia.
-- Mas não sei bem o que é que me move.
-- Talvez seja um amor geral pelo mundo?
-- Para me redimir dos meus pecados.
-- Tantos e tão fortes.
-- Na igreja de deus.
-- Olhando para o céu.
-- Aquela claridade a todo o momento está aberta.
-- Na minha cabeça rachada ao meio.
-- Lá dentro metade do pão nosso de cada dia.
-- Vem assim para a zona polar.
-- A do diabo.
-- A escura.
-- A que mais trabalho dá.
-- Uma suspensão no céu para onde devo ir.
-- Nesse preciso momento em que estou assim aparece a Gracitara.
-- Mas não é ela.
-- Era como se fosse mais para trás.
Não dou a perceber a ninguém que sou um buraco apenas, sem uma ponta dum corno lá dentro, a tentar mostrar que é mais do que isso; e é por isso que estou dessa maneira, impávido e sereno, aqui, sentado perante as notícias de bombas, como se elas não existissem.
-- Sempre é melhor do que nada.
-- Descer a esse ponto nas escadas frias da solidão.
-- Mas a minha não tem por onde se pegue.
-- É mais um medo a roer-me.
-- Ou talvez não.
-- Quem sabe o que se passa na cabeça das pessoas?
-- Devemos encontrar saídas diferentes.
-- Devemos ter a pretensão de não devermos ter.
-- Era o que me faltava.
-- Para onde terá ido a Gracitara?
-- Não interessa.
-- E minha mãe?
-- Aí é que bate o ponto.
-- E meu pai?
-- Aí é que bate o ponto.
-- Estou aqui.
-- Eles estão lá mais a minha mãe.
-- Mais o meu pai.
-- Não sei.
-- A família dá um piparote.
-- Está no seu lugar.
-- Nós fritamos peixe.
-- É por isso que digo,
-- (Logo há-de vir carta de lá a dizer).
-- (Aqui vai o dinheiro com que hás-de comprar pão e manteiga).
-- (E algum filete de pescada).
-- (Aqui está o dinheiro que te vai salvar).
-- Mas esta não é a principal coisa.
-- Esta até pode ser outra coisa.
-- Eu posso até não querer deixar entrar a comida pela porta da rua.
-- Posso deixar de prometer.
-- E ainda assim não pensar na mulher da casa.
-- Gorda e anafada.
-- Com o nariz empertigado.
-- Um rabo maior que um camião.
-- A roçar as banhas pelos corredores.
-- Escuros e alcatifados.
-- Está com a chave na mão à espera da massa.
-- Quem será ela outra vez?
-- Será do princípio ou do fim?
-- Seja o que deus quiser.
-- Essa mulher dos corredores alcatifados vigia o porão do navio.
-- A ver se o peixe mexe.
-- Dá vida à vida.
-- Está de parabéns.
-- Essa era a mulher do outro dia.
-- Quem sabe se também não se discute material melhor?
-- Quem sabe se não vamos?
-- Se não estamos?
-- Se não comemos?
-- Não comemos.
-- Não estamos.
-- Não vamos.
-- Eu não me junto a mais ninguém.
-- Nem estudo contabilidade.
-- Que se lixe.
Numa margem de erro só lá cabe a aritmética, e a informática, para apontar bombas a estes comensais babosos, de fatos azuis e gravatas azuis, e camisas brancas e sapatos pretos; e estes são os malbaratados do mundo, que esperam bater o recorde de estar a comer várias vezes; e eu, sabendo disso, fiz-me esperto no dia a seguir.
-- Talvez fosse o ódio.
-- Mas o ódio não existe.
-- É uma justificação.
-- O ódio justifica.
-- Tem sempre um argumento atrás.
-- Que lhe dá consistência.
-- Assim como o amor.
-- Tem um argumento na frente.
-- Que lhe dá consistência.
-- O amor justifica-se com o futuro.
-- E o ódio com o passado.
Assim, eu também, armado com o fio da bomba, tenho essa justificação com a minha anterior paragem pela rua, e pelo medo larvar; mas esse que sou eu não percebe, nem me percebo, ainda mais que causa escura da minha pequenez são os adiposos, e como sou larvar, a tremer todo cá por dentro, a olhar, nas ruas, para o chão, não quero encontrar os olhos de ninguém nos meus olhos. 
-- Ah, sim.
-- Tenho de falar com o Joni vermelho apopléctico.
-- E com os rapazes.
-- E com os três empregados da Biju.
-- Tenho de falar com eles todos para quebrar o feitiço.


Cena
24) Nessa medida não se podia ser uma águia pesqueira nem virar de fora o baile de máscaras

-- Era o melhor que devia fazer.
-- A ver se não caía nestas tretas de definições caseiras de ódio e amor.
-- Mais a puta que os pariu.
-- É esse mesmo o vernáculo que tenho de usar.
-- Com abundância.
-- Sem estar com cagança.
-- Nem pujança.
-- Vai tudo pelo cano abaixo.
-- Para o bueiro.
-- Até desaparecer nos confins do mundo.
-- Sem saber quanta vida há para além disso.
-- Eu não tenho nem um cêntimo dela.
-- Como é que devo deixar de entrar?
-- De pensar.
-- Como devo perder-me no fogo da ilusão?
-- Essa deve ser a coisa mais importante.
-- Entre estas paredes aqui incaracterísticas.
-- Pintadas de branco.
-- Sem alma e sem gosto.
-- Com adereços para ali pendurados.
-- A ver se nada se vê.
-- E se passa ao lado.
Todo o rico dia, a luta tem de ser maior do que tudo com a força do destino, e estas paredes não são nada, e nem a mais pequena coisa me sugere o que quer que seja, nem uma simples lembrança; mas é preciso atender todo o rico dia a mão que se abate na minha cabeça e me arrocha com a força de deus.
-- E não mais os outros três.
-- Ao mesmo tempo não se diz a verdade.
-- A linha da bomba ficou no saco.
-- Não chegou a estar na minha mão.
-- Alguém esteve ao meu lado e fugiu.
-- As outras bombas primeiro não eram.
-- Depois não deixaram de arrebentar à porta do Ocorrente.
-- Foi ele que viu.
-- Vê todos os dias quem passa por lá sorrateiramente.
-- Teve o dom de me dizer à espera da bola.
-- Não te experimentes nesse carro de óleo em bruto.
-- Eu já não.
-- E tu também não.
E foi assim direito à saia duma mulher que ali passava, e ela deitou um euro na bolsa detrás dele.
-- O Ocorrente é meu amigo.
-- Mas não se trata disso.
-- Tem a ver com não ver.
-- Mais próprio dos dias de hoje.
-- Não é um dia.
-- Nem é para acreditar.
-- Uma paragem insignificante.
-- Tem uma primeira abordagem na camioneta.
-- É preciso concentração.
-- O Ocorrente está habilitado para isso.
-- Pois é ao mesmo tempo um disfarçado.
-- Ao serviço de potências estrangeiras.
-- Está bem.
-- O meu Ora Entorno explicou-me muito bem.
-- O que as potências estrangeiras podem fazer.
-- Eu estou muito preocupado aqui sentado.
-- O Ocorrente é uma grande ajuda para assuntos de estado.
-- Só que eu vejo muito além de mim próprio.
-- À distância de milhas.
-- A cheirar os parasitas.
-- E logo pestanejo.
-- Sei muito da desobriga.
-- E do presente.
-- Mas não telefono.
-- Não é preciso.
-- Noutra altura.
-- Mas devia ser.
-- Agora neste momento é que devia ser.
-- Não.
-- Não.
-- Mas é que nem uma moeda para telefonar.
-- Não sei a esta distância.
-- Este tempo está cada vez pior.
-- Mas à mesa vem e não vem.
-- Deve-se é limpar de moedas aqueles chouriços empertigados.
-- Que se amanhem com as coisas dos porcos.
-- Essas coisas dos porcos negros da cor das bolotas.
-- Nestas refeições.
-- Ah, sim.
-- Já vejo.
-- Mas não.
-- Nada disso vejo.
-- Do que já disse.
-- E repito.
-- O meu prato é pescadinha com rabo na boca.
-- É só isso.
-- E os temperos dos porcos não são apetecíveis.
-- Com água na boca.
-- Seja por caridade.
-- Seja na hora.
-- Se for assim o Ocorrente tem razão.
-- Não descarto a hipótese de telefonar por comida.
-- Deve ser neste dia mesmo na hora.
-- Mesmo cada segundo que passa é uma eternidade.
-- Como tenho tanta paciência o Ocorrente diz-me,
-- (Se vieres ter comigo não te arrependes).
-- Não vou.
-- Não é uma questão de ir ou não ir.
-- Não sei.
-- Eu tenho outra forma generalizada de proteger os três.
-- É por isso que não pego na peça de metro ao quadrado.
-- Sabes como é?
-- Os da tua profissão andam lá fora no estrangeiro de joelhos no chão da rua.
-- Com os cotovelos também no chão.
-- E com uma malga para esmolas.
-- Na frente dos joelhos.
-- Os caídos de deus.
-- (Acima de tudo o inverno não me pega aqui), -- diz-me o Ocorrente.
-- E levanta-se e vai mas não se levanta atrás.
-- Pode perder-se.
-- Pode estar à margem.
-- Mas eu digo,
-- (É assim mesmo que tenho de fazer).
-- (Independentemente do Joni vermelhusco e irritado).
-- (Que anda aqui dum lado para o outro).
-- O melhor foi que me desembaracei do segurança porteiro.
-- Não precisa.
-- São coisas ao pé da porta.
-- Mais custo menos custo para a contabilidade.
-- Não precisa de ver.
-- As próximas contas não estão.
-- De outra forma espreita para o fundo do poço.
-- Só isso.
-- E não se diz mais nada.
-- A ninguém.
-- Eu sei.
-- Eu estou também a pensar.
-- Ao mesmo tempo.
-- Não digo a ninguém senão perco.
-- Não quero.
-- À volta de tudo.
-- Deixar de tudo na terra.
-- Se vou para o céu é melhor ir para o inferno.
-- Pelo menos não caio noutra.
-- Essa mesma viagem não tem retorno.
-- A menos que se pague passagem.
-- De ida e volta.
-- Como é irritante.
-- Este primeiro embate é irritante.
-- É lixado ficar aqui.
-- Sem um mínimo de sangue nas veias.
-- É nisto que estou transformado.
-- Sem sangue nas veias tenho de partir.
-- Com toda a velocidade.
-- Quebrar o barro
-- Sair para o inferno.
-- Eu quero ir para o inferno.
-- Nas viagens não sou muito bom.
-- Quero apenas comer.
-- Não perceber nada do assunto das bombas.
-- Nada e nada.
-- Mil vezes.
-- Também é para o lado de fora.
-- Que vai a minha ideia.
-- Mas não está bem definida.
-- Tem de ser mais madura.
-- Eleger o tempo como um simples embuste.
-- Faz mal ao coração.
-- Cortado ao meio.
-- Para dentro duma tijela.
O Ocorrente anda pela rua do Loreto com umas roupas próprias, muito velhas e sujas, e nesse tempo os três empregados da Biju estavam como eram e não se entendiam mais, e nesse tempo a bola não parava no mesmo sítio, e meu irmão estava também noutro sítio, e meu pai também, cada um por si estava no mesmo sítio, e nessa medida não se podia ser uma águia pesqueira, nem virar de fora o baile de máscaras, porque não havia remédio.
-- Ninguém tinha dinheiro para tal.
-- Era uma vez uma situação inquebrantável.
-- Na caixa do correio.
-- Com as mãos atrás das costas.
-- O vento a dar-te na cara.
-- Dessa vez em território nacional.
-- Sem fronteiras.

Cena
25) Raízes que vêm para cima e pela boca abaixam. E não tem maneira de se controlar o derramamento de sangue pois está vazio o corpo estendido

Da tua cabeça, como se fosses outro sem saberes quem eras; e o que tinhas de fazer era colocar-te no mesmo lugar de sempre, para que os hábitos se equivalessem e se avaliassem por quem de direito.
-- Se encaixassem bem.
-- É preciso que eu.
-- Não.
-- Ele.
-- Não.
-- Tu.
-- Ponha os pés e as mãos no chão
-- Com o dedo mindinho no ouvido.
-- À espera que passem as cócegas.
-- Doroteia, meu amor!
-- Ah! Doroteia, meu amor!
-- Aqui nem nada acontece.
-- A não ser bem longe.
-- Na terra do fogo e da água.
-- Porque estamos paralisados.
-- Os meus neurónios aqui à minha volta.
-- Se me dás licença eu explico.
-- Não quero explicações.
-- Pois é.
-- Já percebi.  
-- Não precisas de explicações.
-- Pois eu não dou.
-- Fico aqui muito bem sentado.
-- A uma ideia vai outra de caminho.
-- Estou bem.
-- Estou sentado.
-- Não espero águia dos ventos.
-- Também pode ser quando bem quiseres.
-- Vou para a rua.
-- Basta levantar-me desta cadeira.
-- Ir.
-- Não deixo o meu fio soltar-se.
-- Agarra-se ao modelo.
-- Vou para a rua.
-- Mas não tens coragem.
-- Estás com o rabo colado aí.
-- Quantos corações impregnados.
-- Quantos medos.
-- É isso.
-- Tenho medo de me ir embora.
-- Ficar sem nada.
-- A minha cabeça fica vazia.
-- Mas tu não tens nada.
-- Pois é o que eu faço
-- Com as minhas mãos.
-- Tenho medo de ninguém querer saber de mim.
-- É o que mais me custa.
-- Como arrancar um dente a frio.
-- Tens de ser mais desprendido.
-- Tens de passar fome.
-- Tens de morrer de fome.
-- Estás doido.
-- Não quero.
-- A partir desse momento podes ir para dentro.
-- E para fora.
-- Que não te importas.
-- És manipulado.
-- Se quiseres.
-- Pelas instâncias inferiores.
-- E superiores.
-- A vez e a voz calam-se.
-- Pode ser por esse sistema.
-- Podes criar raízes.
-- Que vêm do chão para cima.
-- E pela boca abaixam.
-- E essas raízes é que não te deixam pular para a frente.
-- Se elas estão na tua cabeça é no sítio pior.
-- E depois no corpo todo.
-- É preciso fazer um estudo.
-- Não tem a ver com isso.
-- Já sabes o que tens de fazer.
-- Eu já tentei muitas vezes sair desta cadeira para fora.
-- Não consegui.
-- De cada vez que tento no fim arrependo-me.
-- A cadeira goza comigo.
-- Como se eu tivesse cometido um grande pecado.
-- E quem sabe se não é verdade?
-- Ao tentar arrebentar as correias.
-- Fico com remorsos e cansado.
-- Mas é porque não sei como estar sozinho.
-- Se bem que esteja sozinho.
-- Aqui estou acompanhado pelo meu remorso.
-- E é assim muito bom.
-- Porque posso voltar atrás.
-- E ir à frente.
-- E ninguém me ataca.
-- Estou incógnito na moldura familiar.
-- Frente a milhares de reses.
-- Eu não sou nenhuma delas.
-- É assim melhor.
-- Mas é também pior.
-- O medo retira-me acção.
-- Por isso também o melhor mesmo é ficar toda a vida assim inerte.
-- Até ir para o céu.
-- Também posso aligeirar a pressão.
-- Tentar chegar primeiro que o fio de cobre ligado ao rastilho.
-- Do rastilho vai a calamidade do pior.
-- Que o melhor não me atrasa nada.
-- Bem que se está aqui nesta calma sala em tudo de bem-estar sentado nesta hora imortal.
-- Nesta hora de jantar nos braços da Gracitara.
-- Que me dê a comida com delicadeza.
-- Seja ela a servir-me.
-- Com um sorriso nos lábios.
-- A minha comida tão fraca.
-- Para mais um dia.
-- Mais do mesmo.
-- E do menos.
-- Não sabia.
-- Nem devia deixar de saber.
-- Das notícias que se introduzissem aqui.
-- Porque então ficaria ao contrário.
-- O melhor é não receber nada.
-- Ou tudo pelos ecrãs.
-- Talvez seja melhor tudo pelos ecrãs.
-- Nessa altura entra.
-- Não é o mesmo que acontece.
-- É o mesmo e não é.
-- Dessa forma estou assim presente.
-- Enquanto os raios das paredes espetam-se nas carnes.
-- Sem dor e sem trabalho algum.
-- Tem dias que serão assim.
-- Tem dias que não.
-- Pode um dia ser semelhante ao outro?
-- Não.
-- Ocorrente,
-- Não.
-- Ora Entorno,
-- Não.
-- Não pode.
E, nessa tarde de ninguém a descer, foi perdido o braço direito da guerra, a ver o sangue a esguichar; e não há maneira de se controlar o derramamento de sangue, pois está vazio o corpo estendido; e as armas despejam as balas nas ruas, e há uma invasão de bandoleiros; e o pior é as tripas, que depois vem merda com sangue.
-- Tudo junto ao mesmo tempo.
-- Querem pois fazer visita ao templo e não fazem.
-- Querem perceber e não percebem.
-- É bem verdade que não há argumento nesta Calçada a um décimo dali.
-- O mariola pela mão agarra a carteira.
-- E vai e vem uma.
-- E passa no passeio acordo de casa.
-- Não tanto como eu pensava.
-- O dia entra em casa.
-- Entra no café para tomar uma bica.
-- Dois e meio a bica.
-- Fica mais um bocado.
-- A fazer castelos na areia.
-- É dia de reforma.
-- Não tanto assim o corpo já sem sangue no movimento da guerra.
-- Os buracos.
-- Os carros.
-- As camionetas.
-- O correr das pessoas.
-- Lindo dia para o trabalho correr.
-- Ficar na rua por baixo das sombras das árvores das avenidas.
Os corpos arrumam-se entre os carros, nos estacionamentos, e assim o sangue pode correr na estrumeira da rua, e não vai parar ao mar, pois é filtrado na estação de tratamento, e são de vistas e de cristas aceradas os grandes palácios, cheios de candelabros; e as grandes festas na baixa, não nas ruas.
-- Sim.
-- Na paz.
-- Na única avenida de mim para mim.
-- Não saio porque me vão criticar.
-- E eu não aguento críticas.
-- A Gracitara ao mesmo tempo me faz carícias.
-- Ao mesmo tempo me amarra a pensar nela.
-- Porque ainda julga que tenho o fio da bomba.
-- É provável.
-- A gente tem que aprender sempre.
-- Por isso o meu amigo Ocorrente é o único que me consegue chegar perto de mim.
-- Por isso mesmo.
-- Por estar rente ao chão.
-- Mas ele pouco pode fazer.
-- Apenas falar comigo.
-- Ah.
-- Mas isso é bom.
-- O que mais desejo é falar.
-- Com ele.
-- Com alguém.
-- Apesar de estar à vista de toda a gente é prematuro saber a verdade.
Se é ou não o dia e a hora certa, porque meus pais não podem e meu irmão também tem a sua vida, e todos têm a sua vida, e eu não quero sobrecarregar ninguém; e é esta bondade importante para a minha boa consciência; e os donos estão vendo o bom momento de forma, e é importante aguentar as pastas armadas; e a hipótese de falar é o mais relevante.        

Cena
26) Se uma mão não se soltasse directamente para o mar. A cozinheira diz, sai isto ou sai aquilo e lá vai este ou aquele buscar a vianda

Pois o que quero é continuar aqui à espera, e quero que vocês acreditem que o quero fazer com toda a minha força e ainda que o não saiba tenho de saber, porque é assim que deve ser, e só falo sob palavra, mesmo que ainda não queira, e só veja se quiser ver; mas entretanto o que se passa de roda de mim é que nesta história não há sobreviventes.
-- A não ser que haja condições.
-- E é isso mesmo.
-- E desligo.
-- E ligo
-- Ao meu pai.
-- Quando o vejo a subir uma ladeira.
-- Que não existe.
-- Eu digo que estou parado.
-- Mas ele não me ouve.
-- E continua a andar.
-- Minha mãe também é a mesma coisa.
-- E meu irmão.
-- E minhas irmã.
-- Começamos todos a criar o nosso ramo próprio.
-- E a ficar sem uma ideia pouca que seja.
-- É por isso que o meu desejo não se me entende.
-- Nem eu o quero.
-- Ou eu não posso.
-- Com o que queria ter.
-- Que era fazer amor em grande.
-- Estrear-me.
-- Não ter uma mandona a chatear-me.
-- Com ideias de começos.
-- Ou desistências.
-- Fornicar e ir para casa.
-- A pente fino.
-- Não é isso.
-- Não me dêem ideias.
-- A Gracitara anda a olhar-me.
-- Mas eu não quero nada com ela.
-- Ou talvez não.
-- Talvez até fosse bom na cama.
-- Ela pegar-me na piça.
-- E por aí adiante.
-- Não tenho tempo para isso.
-- E demais amarrou-me.
-- E porquê?
-- Deve ser dos frangos.
-- Para eu não comer.
-- Ficar aqui só a ver.
-- Não estás a ver, meu parceiro.
-- Estás bem é a fugir com o rabo à seringa.
-- Com que enfrentas os bandidos da Nossa Senhora dos Remédios.
-- É mais por aí que deixar-me.
-- Se uma mão não se soltasse directamente para o mar.
-- Directamente debaixo de água.
-- E na fronte o cabelo caído na testa suada.
-- Mas não do calor.
-- Mas sim do pânico.
-- Ainda hoje abafado.
-- Ainda há pouco eu saí daqui.
-- Com um metro de fita-cola.
-- Que se me embrulhou.
-- Colou-se-me nas mãos.
-- Fiquei peganhento.
-- Não tem aquilo que é depois da espera.
-- Os briosos que se matem.
-- Dessa maneira a mesa está um pouco desequilibrada.
Os manos na minha frente comem que nem uns desalmados, e eu apenas me vejo transparente a ruminar como um cavalo de estrebaria, com os olhos grandes, a olhar, pesado e moço, sereno, eu nesse mês podia anunciar o início de uma nova era, já agora.
-- Meu pai está de volta de si.
-- O iluminar da gente.
-- E mais não está para uma.
-- E outra não.
-- E a minha mãe é assim.
-- E está mas não está.
-- Há a falta.
-- E o que eu vou fazer é soltar-me.
-- E nessa altura meu pai fica aliviado.
-- Porque é melhor para ele.
-- Está mais aliviado.
-- É menos uma chatice para ele.
-- E eu perco-me.
-- E não queria.
-- Se fosse diferente do que seria.
-- Se ele mandasse para a frente.
-- Se chateasse.
-- Mas nem isso.
-- Estou lançado na minha vida a todo o vapor.
-- E eu digo aos meus.
-- Mas os meus preferem não.
-- É nesta sala e não noutra que nada parece.
É por isso mesmo que os três rapazes se levantam no ar e trazem os pratos, depois de os irem buscar à portinhola; a cozinheira diz, sai isto ou sai aquilo, e lá vai este e aquele buscar a vianda.
-- Alma de quem se parte.
-- Não é por vinho.
-- Nem por marítimo.
-- Nada é mais branco do que o inverno.
-- Este Joni e estes todos comensais são capazes de terem o cérebro aberto ao tempo.
-- E nessa altura não há que dar esmolas ao Ocorrente.
-- Seria útil nessa altura.
-- Para falar um pouco.
-- A minha palestra é num pouco.
-- Não mais do que num pouco em nada.
-- É normal.
-- Será por isso a luz a mandar.
-- A luz da tarde dá a entender o sentimento da tarde para a noite.
-- A luz da noite dá para o fundo onde tudo pode dar tudo.
-- É o invisível nesta atitude em que todos querem nascer na Biju.
-- Melhor nascer lá do que depois ficar perdido no mar.
-- Na Biju as cadeiras de madeira.
-- Os balcões são iguais durante cinquenta anos.
-- Têm sido os mesmos sem tirar nem pôr.
-- Eu não posso mudar nada.
-- Apenas fico.
-- A eles os três não digo quem nasceu ali num passo menos atrás.
-- E se esse passo não existir é pior do que tudo.
-- A Biju e eu ouvimos.
-- Eu ouço voltar ao ponto atrás de antes.
-- Eu ouço o meu barulho de outro tempo.
E a linha da bomba é que entra aqui, porque tinha pensado que era outra a linha das mãos, e tudo se alterou a partir de dentro, a cozinhar casamentos, entre o dia e a noite; e depois a ter de se fabricar um carro e uma casa; e o expediente teve de ser mudado de cor.
-- Foi para casa.
-- Para a cintura industrial.
-- E para a psicóloga tarada.
-- Na fronteira viu-se bem.
-- Eles a voltar.
-- E a sair de lá de dentro para fora.
-- Porque há o dia principal em que os pés andam para trás e para diante.
-- A partir da Biju de repente há um grande.
-- E um pequeno que não se serve.
-- Só sendo bem visto é que se pode.
-- Noutro dia não.
-- Noutro dia em que os ingredientes foram contrários a tudo.
-- E na Biju as bebidas estavam partilhadas.
-- Com todos na prateleira.
-- Com garrafas iguais.
-- E o café de saco com pimenta nesse dia.
-- Todos têm dois.
-- E mais dois.
-- Afazeres directos.
-- Depois daí há que percorrer o passeio em frente.
-- E só no fim é que se sabe o resultado.
-- Esse grande resultado tem de se perceber.
-- E se não se perceber olha as caras da Biju.
-- E mulheres.
-- E homens.
-- E rapazes.
-- E raparigas.
-- Têm de perceber como se serve uma bica.
-- Em condições profissionais.
Eu digo bem de todos com o coração aos saltos; mas a porta da Biju dá entrada e saída, de manhã, no primeiro dia do navio, chegado com um furacão; e não estava previsto como seria no fim de tudo.
-- A coisa teve de mudar para outra extensão.
-- No preciso momento em que se acabou.
-- Não eu.
-- Nem os três da Biju.
-- Um à caixa.
-- Outro nos bolos.
-- E outro no café.
Cada um com a sua tarefa definida, e a equipa é essa, diferente da do real Príncipe dos Frangos, pois a equipa do Príncipe está à mesa e na cozinha, e tem os rapazolas brincalhões, que andam aprumados, à mão do Joni vermelhusco.
-- Não.
-- Naquele dia eu fui ao fundo.
-- E no outro dia também fui.
-- Esse primeiro na Liége.
-- Chicharros mais ou menos bons.
-- Não à minha maneira.
-- Mas na Biju o enorme sim é doutro modo.
-- É menos cheio.
-- Fica-se com um bocadinho de vício do cigarro.
-- Posso essa dúvida pô-la a meu pai.
-- Lá está.
-- E eu penso que ele não está.
-- Que ele quer vir ou não quer.
-- Ele não se pressente e é todo de principiar.
-- Não há valor.
-- Há uma coisa diferente do que se quer.

continua....

No comments: