Thursday, September 19, 2013

texto 2 - Dos efeitos das marés nos cabelos das árvores






 texto 2 -

dos efeitos das marés nos cabelos das árvores
por
José Manuel Dias de Melo 

Cena
6) Ao menos ali havia a gente do costume que entrava e não falava com mais ninguém

-- Esse benzinho de entrada.
-- Não é garoto afortunado.
-- Nem na saída.
-- Porque tem de se ver como se criam as entradas.
-- E eu nesse entretanto não dava com a porta da Biju.
-- Não dava porque me confundia.
-- Era simplesmente um efeito de corrupio.
-- A toda a volta.
-- Uma nuvem negra desse dia em diante.
-- Mas não era o problema principal.
-- No início lá se conformavam.
-- Com os ambientes negativos.
-- Mas depois.
-- Consoante o andamento dos projectos.
-- Assim mesmo se erguiam.
-- As principais cabeças pensantes.
Na parte de cima da entrada principal não se notava nada, mas mais á frente sim, pois era um intercâmbio de gente afortunada que eu admirava; e todos os passageiros tomavam os comboios e as camionetas, e os aviões e os barcos, e todo o transporte era precioso, e até de bicicleta; e à minha esquerda vi passar por mim um avião a jacto que deixou atrás de si um rasto de som, tal que ainda hoje me dói os ouvidos desse estrondo terrível, mas era o pormenor que faltava para eu tomar coragem e entrar na Biju.
-- O centro da terra.
-- O café que era escoado.
-- Num pano.
-- Que fazia espécie de funil.
-- Chamava-se café de saco.
-- E o outro café.
-- Tirado nas máquinas italianas.
-- Chamava-se bica.
-- E assim.
-- Com uma bica para uma tarde inteira.
-- Ficava ali a estudar.
-- Possivelmente porque não havia.
-- Segundo a minha perspectiva.
-- Mais nenhum lugar para onde ir.
-- E ao menos ali havia a gente do costume.
-- Que entrava.
-- E não falava.
-- Com mais ninguém.
-- Era um ambiente que se multiplicava.
-- Pelos dias fora.
-- Com evidente penalização dos restantes dias parados.
-- A um desejo responde-se.
-- Com outro mais ajuizado.
-- Segundo me diz.
-- Mas eu não me importo nada.
-- Por isso as tardes é que importavam.
-- Podiam sair todos.
-- Havia que comer e dormir.
À última hora os comerciantes só agradeciam a amável prestação, e a entrada no restaurante vazio, ao lado da Biju, era pela retaguarda, não pela frente; e a fachada da frente do Príncipe trazia uma janela de frangos em espetos de aço, a rolar por cima das brasas.
Aí dizia,
-- Não te estragues com os ambientes.
-- Na Biju é mais aceitável.
-- Tu podes ser no futuro aquele homem desejável.
-- Com cama.
-- Comida.
-- Roupa lavada.
-- Ninguém te irá dizer que não.
-- No dia seguinte mereces estar de parabéns.
-- Todos os teus desejos serão próximos dos meus.
-- Oh, tu.
-- Para quem estou a falar.
-- Que sobrevives no meio do céu.
-- É mesmo para ti que falo.
-- Presta atenção.
-- Mas eu não estava muito virado para aí.
-- Nem tinha muitas esperanças.
-- Que ele se levantasse.
-- Desse tal céu.
-- Não por muito tempo.
-- Tinha que voltar à porta de entrada
-- E perguntar ao segurança.
-- Se tinha ideia do que ia ser a tarde a seguir.
-- E essa minha ideia não estava a ver muito bem a coisa.
Mas ele ainda menos, e olhou para mim cheio de confusão,
-- A tarde não tem dono.
-- Podes deixá-la.
-- E voltar depois.
-- Mas eu não quero.
-- Porque ainda me falta fazer os trabalhos.
-- E ler aquele calhamaço.
-- Por conta do dia.
-- Não da tarde.
-- (Assim vez por outra pode ser), -- disse o segurança.
-- E abriu-me a porta com a mão enluvada.
Nesse dia, num instante, desceu a noite pelas traseiras, por onde era impossível ver a sala do restaurante, que estava aparentemente limpa àquela hora, e depois mais para a noite vinham os ambrosinos todos a limpar a copa.
-- Era assim que pestanejavam.
-- Olhos de fora.
-- E olhos de dentro.
-- Não à míngua.
-- Não por essa razão.
-- E o segurança que se lixasse.
-- Não estava nada virado para aí.
-- Nesse dia até havia um bom negócio.
-- E eu que estava a precisar de grana espreitei a oportunidade.
-- Mas não disse nada.
-- Só aguardei que ele me abrisse a porta.
-- Ao luar.
-- Nessa altura era bem melhor.
-- Porque os seguintes estavam abananados.
-- Na jorna.
-- A ganhá-la.
-- Com o futuro entrado.
-- Mais o desejo.
-- Esse pode ser.
-- Entretanto não se escapam.
-- Nem ele me escapa.
-- E vi que lhe passava ao lado.
-- O modelo do último carro.
-- Foi por isso.
-- E não por outra coisa.
-- Mas na verdade o negócio do segurança era mesmo o da unilateral.
-- Não o da entrada.
-- Nem o da saída.
-- Tenho a certeza disso.
-- Pela lateral nada.
-- Não há uma voz que me diga,
-- (Assim estás melhor).
-- Não.
-- Nem as mulheres que entram.
-- Não.
-- São quase nenhumas.
-- Essas vão a casa.
-- Aqui o que há são uns esfalfados na hora de ponta.
-- É esse o termo.
-- Se deduzirmos a Calçada.
-- Que vem de lá de cima.
-- E os congros.
-- Esses peixes esquivos.
-- Esses carnívoros.
-- Se aplaudirmos isso.
-- Já estamos mais ou menos de acordo.
-- Assim viajámos todos.
-- No mesmo caminho.
-- Entendemos a esperança.
-- Mas não as mulheres.
E eu vou da Biju para o Príncipe comer o congro frito, mas não é naquela hora precisa.
-- Não pode ser.
-- Necessito de tempo.
-- Para ter um palpite.
-- A noite chega-me de mansinho.
-- A oferecer os seus préstimos.
-- Se bem que não.
-- E ainda por cima estamos no limite.
-- E nesse convém chegar cedo.
-- É essa a ideia.
-- Mas a sala está à minha espera.
-- Vazia.
A cestinha das carcaças sobre a toalha branca de papel que cobre o tampo da mesa de contraplacado, e o que me ocorre é pescadinha frita com rabo na boca, e arroz de tomate muito saboroso, água e pão para embuchar mais um bocadinho.
-- Ela não.
-- Ela não se importa.
-- Espera.
-- Mas eu estou naquela.
-- Com o olho fixo.
-- No pão e nos talheres.
-- E no guardanapo de papel.
-- Estou a olhar.
-- A pegar de olho.
-- De lado.
Os outros no balcão, de roda das brasas dos frangos, onde está a minha barriga de fome.
-- Se quero dizer digo a verdade.
-- Essa tem de ser à primeira.
-- Os meus olhos estão pegados.
-- E a minha ideia não.
-- Por isso mesmo não conto continuar nesse dia preciso.
-- Sim.
-- Terei também que traçar um rumo perfeito.
-- Contra as brasas dos frangos.
-- Ali ao fundo do balcão.
-- Mesmo na janela da rua.
-- São assim as chamas do grelhador.
-- Contra a janela aberta aos passantes.
-- A lamberem os beiços cheios de fome.
-- Os frangos a pingar.
-- E a cerveja fresca.
-- Também a pingar.
-- Uma fonte fresca.
-- Mas eu não posso beber cerveja.
-- Melhor um copo de água.
-- Que sai mais em conta.
-- O roncar das motas e dos carros lá fora.
-- A televisão dá o berro.
-- E ficamos às escuras.
-- Sem imagens.
-- Está um dia que dá as boas.
-- Não as más.
Não há alternativa às estradas do sul, que esse grande parente do norte nublado tem rumo traçado, como disse; e é um pouco mais a sul do que se imaginava, e pudera sentir uma terça parte do que foi, não ali, na sala vazia ainda não era hora de apanhar todos na rede a sair dos trabalhos a correr à noite, e de manhã nessas horas todos se dão bem com a conferência.

Cena
7) Tarimba de ferro enferrujada e manifestação de carteiros a descer a Calçada

De imprensa.
-- Directamente accionada.
-- Detrás da porta de entrada.
-- Pelo malandro do segurança.
-- O homem está de bem com deus e com o diabo.
-- Porque não há-de ser sempre aquela sala?
-- Ao fim da tarde.
-- Depois de tudo.
-- Lá fora.
-- Agora comer alguma coisa para recuperar forças.
-- E em dias pares ir à Biju.
-- E não se quer que seja doutra maneira.
-- Ou em dias ímpares.
-- Porque não.
-- Porque sim.
-- Essa diferença não se faz sentir no ambiente da sala.
-- Depois.
-- Daqui a pouco chega mais um.
-- E logo outro.
E a mosca, que agora vejo a pairar, não se dará mal com o mundo, pois espera o seu quinhão que há-de vir da cozinha, por aquela janelinha donde saem os pratos de comida.
-- O meu.
-- Já disse.
-- Pescadinha com rabo na boca.
-- Ainda não pedi mas vai ser.
-- A não ser que me dêem coisa diferente.
-- Ou não tenham.
-- Se for assim terei de pagar em escudos.
-- E é melhor que não seja.
-- Que o dinheiro é muito pouco.
-- E eu não devia estar a comer aqui.
-- Mas é chato estar a ir para a cantina.
-- E depois voltar para casa.
-- Fica tão longe.
-- E ainda por cima gasta-se mais.
-- Porque depois dá-se mais voltas.
-- Vai-se aqui e ali.
-- E não se dá por isso.
-- Nem as galinhas depenadas têm vergonha na cara.
-- Não se desce o preço do pão.
-- A carcaça é boa para aconchegar a barriga de misérias.
-- Não.
-- Está tudo a correr como deve ser.
Na sala de entrada a Gracitara vem a fugir ver, e como estava pouca gente foi-se embora; e o Joni veio logo alvoraçado do fundo do balcão para a porta de saída, e também tinha alguma coisa a dizer, mas não disse, nem a Gracitara cheia de recursos.
-- Depois disso teve de deixar o carro estacionado na rua.
-- Sujeito a multa.
-- Essa verdadeira glória do futebol nacional é dono do recinto.
-- E a sala foi exclusivamente criada para o efeito.
-- Tem de ser das duas entradas.
-- As laterais também produzem efeitos.
-- E todas as entradas ao mesmo ritmo.
-- Saem da zona da moeda única.
-- Na mesma proporção
-- Não.
-- Aqui não há nada.
-- Eu vejo.
-- E pego no garfo para espetar no pão.
-- Porque não quero pegá-lo com as mãos.
-- Se fizesse isso estava logo sob chicote.
-- Coordenado de lá de fora.
-- Os dois empregados.
-- Um mais alto.
-- Outro mais baixo.
-- Estão a beber cerveja às escondidas do Joni.
Que é um aselha, sempre dum lado para o outro a fazer papel de dono.
-- E depois o rapaz mais baixo está distraído.
-- E o outro manda-lhe um tremoço.
-- Que lhe cai dentro do copo de cerveja.
-- O lesado volta-se, furioso.
-- Mas o outro assobia para o lado.
-- Não se dá por isso.
-- A crescente ordem do tempo.
As paredes pintadas de verde, e as prateleiras e o armário; e o louceiro de madeira de carvalho envernizado e pesadão, carregado de louças; e vão lá buscá-las para pôr nas mesas; e toda a noite foi a ver isso.
-- Não a fome que se tem.
-- Pode ser passageira.
-- Mas já lá vai muito tempo
-- E já deviam ter começado a servir.
-- Nada disso.
-- A imposição de regras atrás das orelhas.
-- Essa.
-- E depois o quarto de banho.
-- Atrás da porta.
-- Está um pouco sujo.
-- Eu estou.
-- E não estou.
-- Na Biju.
-- Para o lado de fora.
-- Ou doutra forma.
-- Não se diz.
-- As coisas vão.
-- Não interessa correr esse risco,
-- Porque não?
-- Porque a cozinheira.
-- E a ajudante.
-- Estão lá.
-- De volta do fogão.
-- E quando é em Julho e Agosto é o diabo do calor.
-- Vai a casa.
-- Traz o prato.
-- Vai chatear outro.
-- Não trago prato nenhum.
-- Eu devia saber.
-- Assim
-- Quando não é possível comer descansado o melhor é passar fome.
-- E ficar congelado.
-- Numa banheira.
-- E eles sabem.
-- Não me chateies.
-- Vai um prato de arroz.
-- Vai uma de febras.
-- Vai uma de pescadinha.
-- Ora.
-- Não é esse o princípio.
-- E se não é não sai pela porta.
-- E voltando à cozinha.
-- Uma vez uma barata de roda do prato.
-- E essa deu a volta e ficou de pernas pró ar.
-- E foi cozinhada com batatas fritas.
-- Alguém viu mas não comunicou à entidade sanitária.
-- Essa a ver navios.
-- Eu como tudo.
-- Eu estou por tudo.
-- Em que dia chega o meu dinheiro?
-- Não sei.
-- Não quero saber.
-- Mas a verdade é que sei e quero saber,
-- Estão os homens lixados.
-- Com a freguesia que começa a encher o balcão.
-- E depois as mesas.
-- Esses empregados do comércio estão todos cá caídos.
-- Mas ao jantar são menos.
-- O preço jeitoso
-- Vá lá não se conhece mais nada à volta.
-- De roda desse entretanto não se está.
-- Não se conhece o polícia.
-- Não.
-- Nem o magrizela.
-- Não.
-- Não.
-- Depois é que se entra em casa.
-- E bate-se à porta do quarto do velho.
-- A tarimba de ferro enferrujada.
-- A mesinha de cabeceira com o verniz todo esfarrapado.
-- A gente sabe.
-- Os sinais estão de fora de mim.
Essa trave é maior; e depois corre-se para um sítio onde não tenho de me mexer muito e tanto quanto sei está na moda aberta; e ao volante do carro o segurança não seguira nada lá fora; e agora em vez de lagartos pintados é uma multidão que enche a sala.
-- Não se sabe o que fazer com esta gente.
-- O Joni está aflito e telefona para a polícia.
-- Venham cá.
-- Tenho uma enchente.
-- E vai-se a saber porquê.
-- E era por causa da manifestação dos carteiros.
-- Que naquele dia tinham mandado toda a gente ir ao Príncipe comer um frango.
-- Foi a manifestação para o seu lugar superior.
-- Enquanto estávamos ali apertados como sardinhas em lata.
-- Já não estava sozinho.
-- E não estava bem.
-- Sentia umas dores de cabeça.
-- Tinha de tomar uma aspirina.
-- E logo se via.
-- Mas como largar dali se estava tudo encrencado?
-- Não dava estar em pânico.
-- As guerras eram lá atrás.
O pão era muito leve e era quase nada, e a fome era muita e estava cada vez mais descrente que viessem aí e me levassem.
-- Já não falo das saídas e entradas unilaterais.
-- Mas ao mesmo tempo quero falar.
-- Quero comer mas só daqui a pouco.
-- E se me for embora é o melhor que faço.
-- Mando esta gente para o lugar que merece.
-- Não se vá embora, meu caro senhor -- diz-me o Joni.
-- Mas é impossível estar aqui.
-- Já chamei a polícia.
-- Que irá trazer a brigada de limpeza.
-- Só se for assim como disse.
Resignado, sentei-me outra vez a pensar na minha vida pouco calma; e os meus cabelos estão compridos e tenho poucas condições, mas ninguém vê porque eu sei disfarçar muito bem; e é nas vírgulas precisamente que escondo os parágrafos mais perigosos.
-- Se ninguém for lá ver não há perigo.
-- Mas custa a entender.
-- Como é possível continuar todo este clima assim?
-- Já que estas entradas têm uma história.
-- Deveras preocupante.
-- Não.
-- Esse trunfo é outro.
-- Quer se queira.
-- Quer não.
-- Não, senhor,
-- Não pago -- dizia um tipo já meio grosso.
Claro, e queria aproveitar a confusão, e essa é que mata, mas a claridade tem dois bicos, como o pau de dois bicos; e também posso perceber pela entrada dela por uma das portas.

Cena
8) Já foram atrás do porco uma dezena de cães e o porco voava e esses mesmos cães viraram para dentro

Que a ninguém importa senão a mim mesmo, neste tempo aberto para a rua; outra de vez em quando atrasa a sua primeira vez, mas de volta da porta, onde tudo pode acontecer e não acontece já que ninguém olha para mim, mas não se sabe bem se é verdade.
-- Há quem diga que depois serei eu a ir para casa.
-- Chumbado na porta.
-- Não se sabe.
-- Este alto daqui donde se vê o rio lá em baixo não está à venda.
-- É o que diz o Joni agora já mais calmo.
-- Ele é um tipo sanguíneo.
-- Que ferve em pouca água.
-- Pelo que percebi.
-- Mas os empregados continuam a atirar tremoços uns aos outros.
-- De vez em quando falham a pontaria.
-- E têm que levantá-los do chão para o Joni não ver.
-- Escuso-me de me preocupar com eles.
-- Eu queria estar a pensar no assunto do cabelo.
-- Mas não tenho tempo.
-- Queria pensar no assunto da comida.
-- Mas é a mesma coisa.
-- Então não sei em que pensar.
-- Com o garfo agarro o pão outra vez.
-- E porque está mal preso cai no chão.
-- E agora pergunto-me.
-- Mas como digo ninguém vê.
-- Eu julgo.
-- E levanto-o.
-- E deito-o em cima da toalha de papel.
-- Será comido.
-- Depois de benzido.
-- Os percevejos não matam as bactérias.
-- E é o santo sacrifico desta hora.
-- Nesta sala estou bem.
-- Com a luz artificial.
-- E com as pessoas à volta depois das nove.
-- Depois das dez ninguém se encontra no chão.
-- E às vezes é o segurança que vem com terra trazida de casa para o limpar.
-- Não me admiro nada.
-- A estravagância maior de Gracitara é diferente.
-- Não tem testemunho.
-- Nem se prende com a substância.
O jantar está a decorrer muito bem mas não me dá prazer; e esse decorrer tem esse vazio do princípio deste espaço próprio por mim gizado, com a corrida dos eléctricos a descer a Calçada, mas não está o destino ainda afeito à transformação dos dias em noites, e é o que me traz mais melancolia, assim possa dizer.
-- E essa melancolia dá para não ir para lado algum.
-- Mais à frente na Biju.
-- E por cima dos pratos de comida.
-- O peixe frito na minha frente.
-- O rabo do peixe na boca do próprio peixe.
-- E o arroz enxuto sabe bem.
-- Mas não posso pedir uma cerveja.
-- Porque é caro.
-- Talvez água seja mais barato.
-- Pode- me trazer água?
E o senhor vai buscar um jarro de água directamente da torneira.
-- Essa visão ultrapassa tudo.
-- O mais a ver.
-- Tem a primeira não a última.
-- E o chão de ladrilhos está limpo.
-- Acabado de limpar.
-- Quando entrei ainda andavam a esfrega-lo.
-- Já lá vão horas.
-- O brilho do chão.
-- A esfregona não funciona a espaços rápidos.
-- E depois vem um casal muito bem aperaltado.
-- Vão sentar-se ali naquele lugar mais além.
-- Vejo por cima do ombro muito bem.
-- E sentam-se a ver a ementa e nada mais.
-- O empregado traz entradas para a mesa.
-- E as entradas entretém o homem e a mulher.
-- Às dentadas no pão.
-- Também me entretenho.
-- Estou bicudo do queixo.
-- Como será na próxima semana?
Nessa altura virá a bolsa que servirá para o necessário estritamente; e minha mãe manda-me um presente na volta do correio, um pacote de coisas para comer, e algo mais perto está que não é desse tempo e que terei de ir por mim, e não há que me enganar na volta das circunstâncias, sem apelo nem agravo.
-- Vai pelo mesmo caminho.
-- Não te festejes.
-- Não te eleves tanto.
-- Esse tanto é um pouco mais que tudo.
-- Esse portanto está olhando para a caixa atrás do balcão.
-- Depois da conta esse papelinho tinha de ser do bloco dos recibos.
-- Essa tinha de ser a conta dois mais três para amanhã.
-- E o que vejo é que dá para pensar.
-- Que não me está a dar para tudo.
-- Se tivesse ido lá longe.
-- Na cantina sofredora era melhor.
-- Comia mais.
-- Mas aqui estou.
-- E pronto.
-- Agora vai para ali.
-- Agora ciranda o criado dum lado para o outro.
-- E os dois empregados entram e saem a correr.
-- E o calor dos frangos no churrasco fá-los suar por todos os poros.
-- Esse calor do movimento a entrar.
-- E a sair pelo balcão.
-- Não é bem avaliado.
-- Acho eu.
-- Por isso não preciso pensar muito no assunto.
-- Mais um que entra e põe o chapéu no cabide.
-- Mas não há chapéus.
-- Não há.
-- Pode haver um chapéu de cabedal.
-- E um chicote.
-- Nessa veia corre o sangue.
-- Nesse chapéu pode correr o mundo.
-- Se todos souberem dele.
-- Desse chapéu.
-- E eu nessa não acredito
-- E por essa não está ele posto no cabide.
-- Ou ao lado.
-- Na mesa.
Talvez seja melhor ao lado e no cimo não, que mais logo é preciso varrer a sala e limpar tudo, e comer tripas à moda do porto, guarnecidas com feijão branco e com o tal arroz enxuto, que também é muito bom, com uma cenourinha cozida misturada com o feijão.
-- O pão nessas ocasiões serve para se empapar no molho.
-- É melhor acompanhar com uma caneca de cerveja.
-- É como eu gosto.
-- Essas tripas têm um factor x de sorte.
-- E um nome dobrado de dobrada.
-- Tão visto como o outro na Biju.
-- Assim mesmo.
-- Nas entradas.
-- É essa a definição.
-- De repente.
-- Sem partir.
-- Fico outra vez sem possibilidade de me levantar.
-- E disse-me o Joni,
-- A partir do dia dezasseis não se pode.
-- Depois pode-se.
-- Mas naquele dia não.
-- Porque há uma justificação.
-- Mas ele agora não sabe qual.
-- Depois diz,
-- Já que a Gracitara está lá atrás no seu canto.
-- A vigiar o movimento.
-- Não vá algum freguês fugir com uma carcaça na mão.
-- Não pode ser todos os domingos.
-- Nem na hora seguinte.
-- Já sabemos isso.
-- Mas não.
A portinhola abre-se e sai prato.
-- Sai tripas.
-- Sai javali.
-- Sai febras.
-- Sai bife.
-- Um atrás do outro.
-- Os factos são esses.
-- E não é preciso mais nada.
-- Na altura certa os cães também virão por comida.
-- Mas se fugirem saberão como é a vingança.
-- Não se façam de rogados.
-- Nesse valado onde caem todos.
-- Como patos.
Já foram atrás dum porco uma dezena de cães e o porco voava, e esses mesmos cães viraram para dentro, não da casa nem da Biju porque nessa tarde havia mil entradas, mas não aproveitaram nem uma.
-- É de bradar aos céus a prepotência.
-- Nem à lei da bala.
-- Se sabe bem esconder.
-- No decorrer da caçada.
-- E depois fica tudo duro.
-- Para dar a própria vigilância do resto.
-- Não se consegue perceber.
-- Eu não consigo.
Estou a comer a minha pescadinha mas tenho os olhos alerta, a ver se chego ao fim do dia inteiro.

Cena
9) Regra de dois

Há talvez nada
Que é o tudo que se vê.

Cena
10) Primeira estação

E pronto, e agora começa outra estação na frente de mim, e não é alguém que me mereça crédito; e que será de mim depois de sair da Biju? Já não sei, tudo é possível acontecer.

Cena
11) Segunda estação

Estou cheio de ódio e não quero saber nada da vida, e fico paralisado em casa com medo da rua, mas não é verdade, e salto para fora da carroça - a carroça é a salvação, pensa-se nela e em nada.

Cena
12) Se vem uma revolução é o que acontece e eu já experimentei isso

-- E já que estou aqui tenho de me lembrar.
-- Senão será difícil comer alguma coisa.
-- (Temos tudo conforme o esperado), -- digo eu.
-- Qualquer dia.
-- Quando for possível.
-- Com o andar dos tempos.
-- Tantas gritarias.
-- Aqui.
-- Não se pode perder o norte.
-- Não sei.
-- Não sei.
-- Tenho miolos de pão nos dedos.
-- Enrolo-os a fazer bolinhas de pão.
-- Mas não vou atirá-las a ninguém.
-- É mesmo só para estar a mexer os dedos.
-- Não se passa nada.
-- O que se quiser neste dia se fará.
-- Se for do meu entendimento.
-- De fora pode-se ver.
-- Mas não se vê.
-- Porque não se quer.
-- É o que dizem.
-- Já agora, nada a dizer do tal casal.
-- Na minha frente.
-- O que fazem ou o que deixam de fazer não tenho nada com isso.
-- Não quero nada.
-- A não ser comer alguma coisa que me mate a fome.
-- Mesmo assim.
-- Se quiserem perguntar ao mar às voltas pode ser.
-- Senão é o mesmo.
Duas no cravo com duas e três na ferradura; e também se saboreia outras delícias só de ver; e de vento pela popa todos um dia olham para trás e não percebem onde estão; e se olharem para a frente é a mesma coisa.
-- A âncora.
-- Ou se lança ou não.
-- Não quero.
-- Ou não sei.
-- Ou ninguém me ensinou.
-- Está bem.
-- Pode ser como quiserem.
-- Não olho nada.
-- E nesse momento quando falei do casal não o olhava.
-- Estava apenas a querer encher o vazio.
-- Era mesmo essa coisa que eu estava a tentar fazer.
-- Porque não vejo muito bem o que o casal quer ou deixa de querer.
-- O que lhe interessa.
-- Estão vestidos como querem.
-- Têm olhos.
-- E botas.
-- E sapatos.
-- E andam assim ou assado.
-- Não o olho.
-- Nem de frente.
-- Nem de través.
-- É uma ideia a manter.
-- Se for possível nas próximas passagens.
-- O que estarão a fazer na mesa?
-- Ainda não começaram a comer.
-- Que se lixe.
-- Eu quero é comer e nada mais.
-- E ir-me embora para casa.
-- E ainda mais digo,
-- Quero ir arranjar uma menina de hotel e companhia.
-- É obra de tolo.
-- Não menina nenhuma.
-- Nem nenhum segurança.
-- Desse livro-me eu.
-- Estava à espera de arranjar uma história mirabolante.
-- Que o pusesse a vender nocturnas ideias.
-- Aventuras à mistura.
-- Com droga enfiada em saquetas.
-- Atrás das orelhas.
-- Agulhas e coisas dessas.
-- Mas não é assim.
-- E agora posso dizer.
-- Directamente desta mesa.
-- Com uma toalha de papel limpa.
-- Um prato raso.
-- E um prato de sopa.
-- E talheres.
-- Guardanapo de papel.
-- Um copo e uma cestinha com duas carcaças.
-- E o tal jarro de água que eu pedira.
-- Eu também não sei se pedi bem.
Este assunto tem de ser resolvido porque vem detrás, da minha infância, desses tempos familiares, antigos, visto que na verdade tenho estado aqui há muito, a ver se me recordo das paisagens; e é assim pormenorizadamente que tenho de fazer este meu percurso, um dia em viagem e outro dia a ficar parado, à espera.
-- Tem de ser uma sequência de casas.
-- E paredes.
-- E portas.
-- E gente.
-- Essa mais nem fica para trás.
-- Porque a quero esquecer.
-- E no entanto está ficando chato.
-- Porque é um burburinho imenso.
-- E não me livro dela como desejava.
-- Nem das casas
-- Nem das ruas também não.
-- Estão a marcar-me.
-- A ferro e fogo.
Gente que vem almoçar trabalha nas redondezas e isto não é caro; e depois pode começar a subir e é rápido; e se vem uma revolução é o que acontece; e já experimentei isso porque na minha altura anterior, depois, foi uma inflação impressionante; e eu tive que pedir socorro para casa, senão passava fome, de certeza.
-- Mas não pedi.
-- E não pedi aos pais.
-- Os pais são difíceis.
-- E não percebem.
-- Se não lhes damos sinais.
-- E os meus sinais são uma chatice.
-- E depois.
-- Se eu recorresse a outra pessoa?
-- Não.
-- E depois.
-- Tinha que arranjar trabalho.
-- E depois.
-- Tinha de fazer tanta coisa.
-- Nestas condições digo assim,
-- Tudo pode acontecer.
-- Uma revolução é mais do que isso.
-- Quebras os dentes.
-- E não há dentista que te valha.
-- É tudo do mesmo género.
-- Igual ao que eu desejo de todo o coração.
-- Que é mesmo comer.
-- E não pensar.
-- É isso que estou a fazer.
-- Quando enrolo o miolo de pão nos dedos.
-- É para não pensar naquilo.
-- E em vez disso a mão.
-- E os dedos.
-- Esse é o meu defeito.
-- O de pensar miudinho.
-- E de não procurar uma em grande.
-- Falta de tomates é o que tu tens.
-- Eu.
-- Mesmo.
-- Terra de amos.

continua....


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