texto 2 -
dos efeitos das marés nos cabelos das árvores
por
José Manuel Dias de Melo
por
José Manuel Dias de Melo
Cena
6) Ao menos ali havia a gente do costume que entrava e não falava
com mais ninguém
-- Esse benzinho
de entrada.
-- Não é garoto afortunado.
-- Nem na saída.
-- Porque tem de
se ver como se criam as entradas.
-- E eu nesse entretanto
não dava com a porta da Biju.
-- Não dava
porque me confundia.
-- Era
simplesmente um efeito de corrupio.
-- A toda a
volta.
-- Uma nuvem
negra desse dia em diante.
-- Mas não era o
problema principal.
-- No início lá
se conformavam.
-- Com os
ambientes negativos.
-- Mas depois.
-- Consoante o
andamento dos projectos.
-- Assim mesmo
se erguiam.
-- As principais
cabeças pensantes.
Na parte de cima
da entrada principal não se notava nada, mas mais á frente sim, pois era um intercâmbio
de gente afortunada que eu admirava; e todos os passageiros tomavam os comboios
e as camionetas, e os aviões e os barcos, e todo o transporte era precioso, e até
de bicicleta; e à minha esquerda vi passar por mim um avião a jacto que deixou
atrás de si um rasto de som, tal que ainda hoje me dói os ouvidos desse
estrondo terrível, mas era o pormenor que faltava para eu tomar coragem e
entrar na Biju.
-- O centro da
terra.
-- O café que era
escoado.
-- Num pano.
-- Que fazia
espécie de funil.
-- Chamava-se
café de saco.
-- E o outro
café.
-- Tirado nas
máquinas italianas.
-- Chamava-se bica.
-- E assim.
-- Com uma bica
para uma tarde inteira.
-- Ficava ali a estudar.
-- Possivelmente
porque não havia.
-- Segundo a
minha perspectiva.
-- Mais nenhum lugar
para onde ir.
-- E ao menos ali havia a gente do costume.
-- Que entrava.
-- E não falava.
-- Com mais
ninguém.
-- Era um
ambiente que se multiplicava.
-- Pelos dias fora.
-- Com evidente
penalização dos restantes dias parados.
-- A um desejo
responde-se.
-- Com outro
mais ajuizado.
-- Segundo me
diz.
-- Mas eu não me
importo nada.
-- Por isso as
tardes é que importavam.
-- Podiam sair
todos.
-- Havia que
comer e dormir.
À última hora os
comerciantes só agradeciam a amável prestação, e a entrada no restaurante vazio,
ao lado da Biju, era pela retaguarda, não pela frente; e a fachada da frente do
Príncipe trazia uma janela de frangos em espetos de aço, a rolar por cima das brasas.
Aí dizia,
-- Não te
estragues com os ambientes.
-- Na Biju é mais
aceitável.
-- Tu podes ser
no futuro aquele homem desejável.
-- Com cama.
-- Comida.
-- Roupa lavada.
-- Ninguém te
irá dizer que não.
-- No dia
seguinte mereces estar de parabéns.
-- Todos os teus
desejos serão próximos dos meus.
-- Oh, tu.
-- Para quem estou
a falar.
-- Que sobrevives
no meio do céu.
-- É mesmo para
ti que falo.
-- Presta atenção.
-- Mas eu não
estava muito virado para aí.
-- Nem tinha muitas
esperanças.
-- Que ele se levantasse.
-- Desse tal céu.
-- Não por muito
tempo.
-- Tinha que
voltar à porta de entrada
-- E perguntar
ao segurança.
-- Se tinha
ideia do que ia ser a tarde a seguir.
-- E essa minha ideia
não estava a ver muito bem a coisa.
Mas ele ainda
menos, e olhou para mim cheio de confusão,
-- A tarde não tem
dono.
-- Podes
deixá-la.
-- E voltar
depois.
-- Mas eu não
quero.
-- Porque ainda
me falta fazer os trabalhos.
-- E ler aquele
calhamaço.
-- Por conta do
dia.
-- Não da tarde.
-- (Assim vez
por outra pode ser), -- disse o segurança.
-- E abriu-me a
porta com a mão enluvada.
Nesse dia, num
instante, desceu a noite pelas traseiras, por onde era impossível ver a sala do
restaurante, que estava aparentemente limpa àquela hora, e depois mais para a
noite vinham os ambrosinos todos a limpar a copa.
-- Era assim que
pestanejavam.
-- Olhos de fora.
-- E olhos de
dentro.
-- Não à míngua.
-- Não por essa
razão.
-- E o segurança
que se lixasse.
-- Não estava
nada virado para aí.
-- Nesse dia até
havia um bom negócio.
-- E eu que
estava a precisar de grana espreitei a oportunidade.
-- Mas não disse
nada.
-- Só aguardei
que ele me abrisse a porta.
-- Ao luar.
-- Nessa altura
era bem melhor.
-- Porque os
seguintes estavam abananados.
-- Na jorna.
-- A ganhá-la.
-- Com o futuro entrado.
-- Mais o desejo.
-- Esse pode ser.
-- Entretanto
não se escapam.
-- Nem ele me
escapa.
-- E vi que lhe
passava ao lado.
-- O modelo do último
carro.
-- Foi por isso.
-- E não por
outra coisa.
-- Mas na
verdade o negócio do segurança era mesmo o da unilateral.
-- Não o da
entrada.
-- Nem o da
saída.
-- Tenho a
certeza disso.
-- Pela lateral
nada.
-- Não há uma
voz que me diga,
-- (Assim estás
melhor).
-- Não.
-- Nem as
mulheres que entram.
-- Não.
-- São quase nenhumas.
-- Essas vão a casa.
-- Aqui o que há
são uns esfalfados na hora de ponta.
-- É esse o
termo.
-- Se deduzirmos
a Calçada.
-- Que vem de lá
de cima.
-- E os congros.
-- Esses peixes
esquivos.
-- Esses
carnívoros.
-- Se
aplaudirmos isso.
-- Já estamos
mais ou menos de acordo.
-- Assim
viajámos todos.
-- No mesmo caminho.
-- Entendemos a
esperança.
-- Mas não as
mulheres.
E eu vou da Biju
para o Príncipe comer o congro frito, mas não é naquela hora precisa.
-- Não pode ser.
-- Necessito de
tempo.
-- Para ter um
palpite.
-- A noite chega-me
de mansinho.
-- A oferecer os
seus préstimos.
-- Se bem que
não.
-- E ainda por
cima estamos no limite.
-- E nesse convém
chegar cedo.
-- É essa a
ideia.
-- Mas a sala está
à minha espera.
-- Vazia.
A cestinha das
carcaças sobre a toalha branca de papel que cobre o tampo da mesa de
contraplacado, e o que me ocorre é pescadinha frita com rabo na boca, e arroz
de tomate muito saboroso, água e pão para embuchar mais um bocadinho.
-- Ela não.
-- Ela não se
importa.
-- Espera.
-- Mas eu estou
naquela.
-- Com o olho
fixo.
-- No pão e nos
talheres.
-- E no
guardanapo de papel.
-- Estou a olhar.
-- A pegar de
olho.
-- De lado.
Os outros no balcão,
de roda das brasas dos frangos, onde está a minha barriga de fome.
-- Se quero
dizer digo a verdade.
-- Essa tem de
ser à primeira.
-- Os meus olhos
estão pegados.
-- E a minha
ideia não.
-- Por isso mesmo
não conto continuar nesse dia preciso.
-- Sim.
-- Terei também
que traçar um rumo perfeito.
-- Contra as brasas
dos frangos.
-- Ali ao fundo
do balcão.
-- Mesmo na janela
da rua.
-- São assim as
chamas do grelhador.
-- Contra a
janela aberta aos passantes.
-- A lamberem os
beiços cheios de fome.
-- Os frangos a
pingar.
-- E a cerveja
fresca.
-- Também a
pingar.
-- Uma fonte
fresca.
-- Mas eu não
posso beber cerveja.
-- Melhor um
copo de água.
-- Que sai mais
em conta.
-- O roncar das
motas e dos carros lá fora.
-- A televisão
dá o berro.
-- E ficamos às escuras.
-- Sem imagens.
-- Está um dia
que dá as boas.
-- Não as más.
Não há alternativa
às estradas do sul, que esse grande parente do norte nublado tem rumo traçado,
como disse; e é um pouco mais a sul do que se imaginava, e pudera sentir uma
terça parte do que foi, não ali, na sala vazia ainda não era hora de apanhar
todos na rede a sair dos trabalhos a correr à noite, e de manhã nessas horas
todos se dão bem com a conferência.
Cena
7) Tarimba de ferro enferrujada e manifestação de carteiros
a descer a Calçada
De imprensa.
-- Directamente
accionada.
-- Detrás da
porta de entrada.
-- Pelo malandro
do segurança.
-- O homem está
de bem com deus e com o diabo.
-- Porque não
há-de ser sempre aquela sala?
-- Ao fim da
tarde.
-- Depois de tudo.
-- Lá fora.
-- Agora comer
alguma coisa para recuperar forças.
-- E em dias
pares ir à Biju.
-- E não se quer
que seja doutra maneira.
-- Ou em dias
ímpares.
-- Porque não.
-- Porque sim.
-- Essa
diferença não se faz sentir no ambiente da sala.
-- Depois.
-- Daqui a pouco
chega mais um.
-- E logo outro.
E a mosca, que
agora vejo a pairar, não se dará mal com o mundo, pois espera o seu quinhão que
há-de vir da cozinha, por aquela janelinha donde saem os pratos de comida.
-- O meu.
-- Já disse.
-- Pescadinha
com rabo na boca.
-- Ainda não
pedi mas vai ser.
-- A não ser que
me dêem coisa diferente.
-- Ou não tenham.
-- Se for assim
terei de pagar em escudos.
-- E é melhor
que não seja.
-- Que o
dinheiro é muito pouco.
-- E eu não
devia estar a comer aqui.
-- Mas é chato
estar a ir para a cantina.
-- E depois
voltar para casa.
-- Fica tão
longe.
-- E ainda por
cima gasta-se mais.
-- Porque depois
dá-se mais voltas.
-- Vai-se aqui e
ali.
-- E não se dá por
isso.
-- Nem as
galinhas depenadas têm vergonha na cara.
-- Não se desce
o preço do pão.
-- A carcaça é boa
para aconchegar a barriga de misérias.
-- Não.
-- Está tudo a
correr como deve ser.
Na sala de
entrada a Gracitara vem a fugir ver, e como estava pouca gente foi-se embora; e
o Joni veio logo alvoraçado do fundo do balcão para a porta de saída, e também
tinha alguma coisa a dizer, mas não disse, nem a Gracitara cheia de recursos.
-- Depois disso
teve de deixar o carro estacionado na rua.
-- Sujeito a
multa.
-- Essa
verdadeira glória do futebol nacional é dono do recinto.
-- E a sala foi
exclusivamente criada para o efeito.
-- Tem de ser
das duas entradas.
-- As laterais
também produzem efeitos.
-- E todas as
entradas ao mesmo ritmo.
-- Saem da zona
da moeda única.
-- Na mesma proporção
-- Não.
-- Aqui não há
nada.
-- Eu vejo.
-- E pego no
garfo para espetar no pão.
-- Porque não
quero pegá-lo com as mãos.
-- Se fizesse
isso estava logo sob chicote.
-- Coordenado de
lá de fora.
-- Os dois
empregados.
-- Um mais alto.
-- Outro mais
baixo.
-- Estão a beber
cerveja às escondidas do Joni.
Que é um aselha,
sempre dum lado para o outro a fazer papel de dono.
-- E depois o
rapaz mais baixo está distraído.
-- E o outro manda-lhe
um tremoço.
-- Que lhe cai
dentro do copo de cerveja.
-- O lesado
volta-se, furioso.
-- Mas o outro
assobia para o lado.
-- Não se dá por
isso.
-- A crescente
ordem do tempo.
As paredes
pintadas de verde, e as prateleiras e o armário; e o louceiro de madeira de
carvalho envernizado e pesadão, carregado de louças; e vão lá buscá-las para pôr
nas mesas; e toda a noite foi a ver isso.
-- Não a fome
que se tem.
-- Pode ser
passageira.
-- Mas já lá vai
muito tempo
-- E já deviam ter
começado a servir.
-- Nada disso.
-- A imposição
de regras atrás das orelhas.
-- Essa.
-- E depois o
quarto de banho.
-- Atrás da
porta.
-- Está um pouco
sujo.
-- Eu estou.
-- E não estou.
-- Na Biju.
-- Para o lado
de fora.
-- Ou doutra
forma.
-- Não se diz.
-- As coisas vão.
-- Não interessa
correr esse risco,
-- Porque não?
-- Porque a
cozinheira.
-- E a ajudante.
-- Estão lá.
-- De volta do
fogão.
-- E quando é em
Julho e Agosto é o diabo do calor.
-- Vai a casa.
-- Traz o prato.
-- Vai chatear
outro.
-- Não trago
prato nenhum.
-- Eu devia
saber.
-- Assim
-- Quando não é
possível comer descansado o melhor é passar fome.
-- E ficar
congelado.
-- Numa banheira.
-- E eles sabem.
-- Não me chateies.
-- Vai um prato
de arroz.
-- Vai uma de
febras.
-- Vai uma de
pescadinha.
-- Ora.
-- Não é esse o princípio.
-- E se não é não
sai pela porta.
-- E voltando à
cozinha.
-- Uma vez uma
barata de roda do prato.
-- E essa deu a
volta e ficou de pernas pró ar.
-- E foi cozinhada
com batatas fritas.
-- Alguém viu
mas não comunicou à entidade sanitária.
-- Essa a ver
navios.
-- Eu como tudo.
-- Eu estou por
tudo.
-- Em que dia chega
o meu dinheiro?
-- Não sei.
-- Não quero
saber.
-- Mas a verdade
é que sei e quero saber,
-- Estão os
homens lixados.
-- Com a
freguesia que começa a encher o balcão.
-- E depois as
mesas.
-- Esses empregados
do comércio estão todos cá caídos.
-- Mas ao jantar
são menos.
-- O preço
jeitoso
-- Vá lá não se
conhece mais nada à volta.
-- De roda desse
entretanto não se está.
-- Não se
conhece o polícia.
-- Não.
-- Nem o
magrizela.
-- Não.
-- Não.
-- Depois é que
se entra em casa.
-- E bate-se à
porta do quarto do velho.
-- A tarimba de
ferro enferrujada.
-- A mesinha de
cabeceira com o verniz todo esfarrapado.
-- A gente sabe.
-- Os sinais
estão de fora de mim.
Essa trave é
maior; e depois corre-se para um sítio onde não tenho de me mexer muito e tanto
quanto sei está na moda aberta; e ao volante do carro o segurança não seguira
nada lá fora; e agora em vez de lagartos pintados é uma multidão que enche a
sala.
-- Não se sabe o
que fazer com esta gente.
-- O Joni está
aflito e telefona para a polícia.
-- Venham cá.
-- Tenho uma
enchente.
-- E vai-se a
saber porquê.
-- E era por
causa da manifestação dos carteiros.
-- Que naquele
dia tinham mandado toda a gente ir ao Príncipe comer um frango.
-- Foi a
manifestação para o seu lugar superior.
-- Enquanto estávamos
ali apertados como sardinhas em lata.
-- Já não estava
sozinho.
-- E não estava
bem.
-- Sentia umas
dores de cabeça.
-- Tinha de
tomar uma aspirina.
-- E logo se via.
-- Mas como largar
dali se estava tudo encrencado?
-- Não dava estar
em pânico.
-- As guerras
eram lá atrás.
O pão era muito
leve e era quase nada, e a fome era muita e estava cada vez mais descrente que
viessem aí e me levassem.
-- Já não falo
das saídas e entradas unilaterais.
-- Mas ao mesmo
tempo quero falar.
-- Quero comer
mas só daqui a pouco.
-- E se me for embora
é o melhor que faço.
-- Mando esta
gente para o lugar que merece.
-- Não se vá
embora, meu caro senhor -- diz-me o Joni.
-- Mas é
impossível estar aqui.
-- Já chamei a
polícia.
-- Que irá
trazer a brigada de limpeza.
-- Só se for
assim como disse.
Resignado, sentei-me
outra vez a pensar na minha vida pouco calma; e os meus cabelos estão compridos
e tenho poucas condições, mas ninguém vê porque eu sei disfarçar muito bem; e é
nas vírgulas precisamente que escondo os parágrafos mais perigosos.
-- Se ninguém for
lá ver não há perigo.
-- Mas custa a
entender.
-- Como é possível
continuar todo este clima assim?
-- Já que estas
entradas têm uma história.
-- Deveras
preocupante.
-- Não.
-- Esse trunfo é
outro.
-- Quer se queira.
-- Quer não.
-- Não, senhor,
-- Não pago --
dizia um tipo já meio grosso.
Claro, e queria
aproveitar a confusão, e essa é que mata, mas a claridade tem dois bicos, como
o pau de dois bicos; e também posso perceber pela entrada dela por uma das
portas.
Cena
8) Já foram atrás do porco uma dezena de cães e o porco
voava e esses mesmos cães viraram para dentro
Que a ninguém
importa senão a mim mesmo, neste tempo aberto para a rua; outra de vez em quando
atrasa a sua primeira vez, mas de volta da porta, onde tudo pode acontecer e
não acontece já que ninguém olha para mim, mas não se sabe bem se é verdade.
-- Há quem diga
que depois serei eu a ir para casa.
-- Chumbado na
porta.
-- Não se sabe.
-- Este alto
daqui donde se vê o rio lá em baixo não está à venda.
-- É o que diz o
Joni agora já mais calmo.
-- Ele é um tipo
sanguíneo.
-- Que ferve em
pouca água.
-- Pelo que
percebi.
-- Mas os
empregados continuam a atirar tremoços uns aos outros.
-- De vez em
quando falham a pontaria.
-- E têm que
levantá-los do chão para o Joni não ver.
-- Escuso-me de
me preocupar com eles.
-- Eu queria
estar a pensar no assunto do cabelo.
-- Mas não tenho
tempo.
-- Queria pensar
no assunto da comida.
-- Mas é a mesma
coisa.
-- Então não sei
em que pensar.
-- Com o garfo
agarro o pão outra vez.
-- E porque está
mal preso cai no chão.
-- E agora pergunto-me.
-- Mas como digo
ninguém vê.
-- Eu julgo.
-- E levanto-o.
-- E deito-o em
cima da toalha de papel.
-- Será comido.
-- Depois de
benzido.
-- Os percevejos
não matam as bactérias.
-- E é o santo sacrifico
desta hora.
-- Nesta sala
estou bem.
-- Com a luz artificial.
-- E com as
pessoas à volta depois das nove.
-- Depois das
dez ninguém se encontra no chão.
-- E às vezes é
o segurança que vem com terra trazida de casa para o limpar.
-- Não me admiro
nada.
-- A
estravagância maior de Gracitara é diferente.
-- Não tem
testemunho.
-- Nem se prende
com a substância.
O jantar está a decorrer
muito bem mas não me dá prazer; e esse decorrer tem esse vazio do princípio
deste espaço próprio por mim gizado, com a corrida dos eléctricos a descer a Calçada,
mas não está o destino ainda afeito à transformação dos dias em noites, e é o que
me traz mais melancolia, assim possa dizer.
-- E essa
melancolia dá para não ir para lado algum.
-- Mais à frente
na Biju.
-- E por cima dos
pratos de comida.
-- O peixe frito
na minha frente.
-- O rabo do
peixe na boca do próprio peixe.
-- E o arroz
enxuto sabe bem.
-- Mas não posso
pedir uma cerveja.
-- Porque é caro.
-- Talvez água
seja mais barato.
-- Pode- me
trazer água?
E o senhor vai
buscar um jarro de água directamente da torneira.
-- Essa visão
ultrapassa tudo.
-- O mais a ver.
-- Tem a
primeira não a última.
-- E o chão de
ladrilhos está limpo.
-- Acabado de
limpar.
-- Quando entrei
ainda andavam a esfrega-lo.
-- Já lá vão horas.
-- O brilho do chão.
-- A esfregona
não funciona a espaços rápidos.
-- E depois vem
um casal muito bem aperaltado.
-- Vão sentar-se
ali naquele lugar mais além.
-- Vejo por cima
do ombro muito bem.
-- E sentam-se a
ver a ementa e nada mais.
-- O empregado traz
entradas para a mesa.
-- E as entradas
entretém o homem e a mulher.
-- Às dentadas
no pão.
-- Também me entretenho.
-- Estou bicudo
do queixo.
-- Como será na
próxima semana?
Nessa altura
virá a bolsa que servirá para o necessário estritamente; e minha mãe manda-me um
presente na volta do correio, um pacote de coisas para comer, e algo mais perto
está que não é desse tempo e que terei de ir por mim, e não há que me enganar
na volta das circunstâncias, sem apelo nem agravo.
-- Vai pelo
mesmo caminho.
-- Não te
festejes.
-- Não te eleves
tanto.
-- Esse tanto é
um pouco mais que tudo.
-- Esse portanto
está olhando para a caixa atrás do balcão.
-- Depois da
conta esse papelinho tinha de ser do bloco dos recibos.
-- Essa tinha de
ser a conta dois mais três para amanhã.
-- E o que vejo
é que dá para pensar.
-- Que não me está
a dar para tudo.
-- Se tivesse
ido lá longe.
-- Na cantina
sofredora era melhor.
-- Comia mais.
-- Mas aqui estou.
-- E pronto.
-- Agora vai
para ali.
-- Agora ciranda
o criado dum lado para o outro.
-- E os dois
empregados entram e saem a correr.
-- E o calor dos
frangos no churrasco fá-los suar por todos os poros.
-- Esse calor do
movimento a entrar.
-- E a sair pelo
balcão.
-- Não é bem
avaliado.
-- Acho eu.
-- Por isso não
preciso pensar muito no assunto.
-- Mais um que
entra e põe o chapéu no cabide.
-- Mas não há
chapéus.
-- Não há.
-- Pode haver um
chapéu de cabedal.
-- E um chicote.
-- Nessa veia
corre o sangue.
-- Nesse chapéu
pode correr o mundo.
-- Se todos
souberem dele.
-- Desse chapéu.
-- E eu nessa
não acredito
-- E por essa
não está ele posto no cabide.
-- Ou ao lado.
-- Na mesa.
Talvez seja
melhor ao lado e no cimo não, que mais logo é preciso varrer a sala e limpar
tudo, e comer tripas à moda do porto, guarnecidas com feijão branco e com o tal
arroz enxuto, que também é muito bom, com uma cenourinha cozida misturada com o
feijão.
-- O pão nessas
ocasiões serve para se empapar no molho.
-- É melhor acompanhar
com uma caneca de cerveja.
-- É como eu
gosto.
-- Essas tripas têm
um factor x de sorte.
-- E um nome
dobrado de dobrada.
-- Tão visto
como o outro na Biju.
-- Assim mesmo.
-- Nas entradas.
-- É essa a
definição.
-- De repente.
-- Sem partir.
-- Fico outra
vez sem possibilidade de me levantar.
-- E disse-me o Joni,
-- A partir do
dia dezasseis não se pode.
-- Depois pode-se.
-- Mas naquele
dia não.
-- Porque há uma
justificação.
-- Mas ele agora
não sabe qual.
-- Depois diz,
-- Já que a Gracitara
está lá atrás no seu canto.
-- A vigiar o
movimento.
-- Não vá algum
freguês fugir com uma carcaça na mão.
-- Não pode ser todos
os domingos.
-- Nem na hora
seguinte.
-- Já sabemos
isso.
-- Mas não.
A portinhola
abre-se e sai prato.
-- Sai tripas.
-- Sai javali.
-- Sai febras.
-- Sai bife.
-- Um atrás do
outro.
-- Os factos são
esses.
-- E não é
preciso mais nada.
-- Na altura
certa os cães também virão por comida.
-- Mas se
fugirem saberão como é a vingança.
-- Não se façam
de rogados.
-- Nesse valado onde
caem todos.
-- Como patos.
Já foram atrás
dum porco uma dezena de cães e o porco voava, e esses mesmos cães viraram para
dentro, não da casa nem da Biju porque nessa tarde havia mil entradas, mas não
aproveitaram nem uma.
-- É de bradar
aos céus a prepotência.
-- Nem à lei da
bala.
-- Se sabe bem
esconder.
-- No decorrer
da caçada.
-- E depois fica
tudo duro.
-- Para dar a
própria vigilância do resto.
-- Não se
consegue perceber.
-- Eu não
consigo.
Estou a comer a
minha pescadinha mas tenho os olhos alerta, a ver se chego ao fim do dia
inteiro.
Cena
9) Regra de dois
Há talvez nada
Que é o tudo que
se vê.
Cena
10) Primeira estação
E pronto, e agora
começa outra estação na frente de mim, e não é alguém que me mereça crédito; e
que será de mim depois de sair da Biju? Já não sei, tudo é possível acontecer.
Cena
11) Segunda estação
Estou cheio de
ódio e não quero saber nada da vida, e fico paralisado em casa com medo da rua,
mas não é verdade, e salto para fora da carroça - a carroça é a salvação, pensa-se
nela e em nada.
Cena
12) Se vem uma revolução é o que acontece e eu já
experimentei isso
-- E já que
estou aqui tenho de me lembrar.
-- Senão será
difícil comer alguma coisa.
-- (Temos tudo
conforme o esperado), -- digo eu.
-- Qualquer dia.
-- Quando for
possível.
-- Com o andar
dos tempos.
-- Tantas
gritarias.
-- Aqui.
-- Não se pode
perder o norte.
-- Não sei.
-- Não sei.
-- Tenho miolos
de pão nos dedos.
-- Enrolo-os a
fazer bolinhas de pão.
-- Mas não vou
atirá-las a ninguém.
-- É mesmo só
para estar a mexer os dedos.
-- Não se passa
nada.
-- O que se
quiser neste dia se fará.
-- Se for do meu
entendimento.
-- De fora
pode-se ver.
-- Mas não se vê.
-- Porque não se
quer.
-- É o que dizem.
-- Já agora,
nada a dizer do tal casal.
-- Na minha
frente.
-- O que fazem
ou o que deixam de fazer não tenho nada com isso.
-- Não quero
nada.
-- A não ser
comer alguma coisa que me mate a fome.
-- Mesmo assim.
-- Se quiserem perguntar
ao mar às voltas pode ser.
-- Senão é o
mesmo.
Duas no cravo
com duas e três na ferradura; e também se saboreia outras delícias só de ver; e
de vento pela popa todos um dia olham para trás e não percebem onde estão; e se
olharem para a frente é a mesma coisa.
-- A âncora.
-- Ou se lança
ou não.
-- Não quero.
-- Ou não sei.
-- Ou ninguém me
ensinou.
-- Está bem.
-- Pode ser como
quiserem.
-- Não olho nada.
-- E nesse
momento quando falei do casal não o olhava.
-- Estava apenas
a querer encher o vazio.
-- Era mesmo
essa coisa que eu estava a tentar fazer.
-- Porque não
vejo muito bem o que o casal quer ou deixa de querer.
-- O que lhe interessa.
-- Estão vestidos
como querem.
-- Têm olhos.
-- E botas.
-- E sapatos.
-- E andam assim
ou assado.
-- Não o olho.
-- Nem de frente.
-- Nem de través.
-- É uma ideia a
manter.
-- Se for
possível nas próximas passagens.
-- O que estarão
a fazer na mesa?
-- Ainda não
começaram a comer.
-- Que se lixe.
-- Eu quero é
comer e nada mais.
-- E ir-me
embora para casa.
-- E ainda mais
digo,
-- Quero ir
arranjar uma menina de hotel e companhia.
-- É obra de
tolo.
-- Não menina nenhuma.
-- Nem nenhum segurança.
-- Desse
livro-me eu.
-- Estava à
espera de arranjar uma história mirabolante.
-- Que o pusesse
a vender nocturnas ideias.
-- Aventuras à
mistura.
-- Com droga
enfiada em saquetas.
-- Atrás das
orelhas.
-- Agulhas e
coisas dessas.
-- Mas não é
assim.
-- E agora posso
dizer.
-- Directamente
desta mesa.
-- Com uma
toalha de papel limpa.
-- Um prato raso.
-- E um prato de
sopa.
-- E talheres.
-- Guardanapo de
papel.
-- Um copo e uma
cestinha com duas carcaças.
-- E o tal jarro
de água que eu pedira.
-- Eu também não
sei se pedi bem.
Este assunto tem
de ser resolvido porque vem detrás, da minha infância, desses tempos familiares,
antigos, visto que na verdade tenho estado aqui há muito, a ver se me recordo
das paisagens; e é assim pormenorizadamente que tenho de fazer este meu percurso,
um dia em viagem e outro dia a ficar parado, à espera.
-- Tem de ser
uma sequência de casas.
-- E paredes.
-- E portas.
-- E gente.
-- Essa mais nem
fica para trás.
-- Porque a
quero esquecer.
-- E no entanto
está ficando chato.
-- Porque é um burburinho
imenso.
-- E não me
livro dela como desejava.
-- Nem das casas
-- Nem das ruas
também não.
-- Estão a
marcar-me.
-- A ferro e
fogo.
Gente que vem
almoçar trabalha nas redondezas e isto não é caro; e depois pode começar a
subir e é rápido; e se vem uma revolução é o que acontece; e já experimentei
isso porque na minha altura anterior, depois, foi uma inflação impressionante;
e eu tive que pedir socorro para casa, senão passava fome, de certeza.
-- Mas não pedi.
-- E não pedi
aos pais.
-- Os pais são
difíceis.
-- E não percebem.
-- Se não lhes
damos sinais.
-- E os meus
sinais são uma chatice.
-- E depois.
-- Se eu
recorresse a outra pessoa?
-- Não.
-- E depois.
-- Tinha que
arranjar trabalho.
-- E depois.
-- Tinha de
fazer tanta coisa.
-- Nestas
condições digo assim,
-- Tudo pode
acontecer.
-- Uma revolução
é mais do que isso.
-- Quebras os
dentes.
-- E não há
dentista que te valha.
-- É tudo do
mesmo género.
-- Igual ao que
eu desejo de todo o coração.
-- Que é mesmo
comer.
-- E não pensar.
-- É isso que
estou a fazer.
-- Quando enrolo
o miolo de pão nos dedos.
-- É para não
pensar naquilo.
-- E em vez
disso a mão.
-- E os dedos.
-- Esse é o meu
defeito.
-- O de pensar
miudinho.
-- E de não
procurar uma em grande.
-- Falta de
tomates é o que tu tens.
-- Eu.
-- Mesmo.
-- Terra de amos.
continua....
continua....
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