texto nº 3
dos efeitos das marés nos cabelos das árvores
Cena
13) Lugar para voltares e veres as mãos cruzadas sobre o
peito
No aniversário
da morte dos anos, saídos da modorra, eu, contrafeito, estou a um passo de me resolver,
e esse não é um perfeito enrolamento a derivar do corpo para a mente, pois essa
metamorfose anda dum lado para o outro, à procura de se entreter no balcão das
carrinhas de apoio ao dia.
-- Prevejo nesse
sempre uma memória concreta.
-- Não há sangue.
-- Nem a morte
surge.
-- A não ser nos
sonhos.
-- Aí há uma
aprendizagem.
-- E o efeito dos
velhos sentados nos bancos o mesmo que este.
-- O
abandalhamento das almofadas.
-- E uma em vez
de duas a correr água para a boca dos enfermos.
-- Esses
coloridos.
-- Ao mesmo
tempo não se sabe se és tu que andas a ver se carregas.
-- Não pode ser
a minha mãe.
-- Não pode ser
ela.
-- Também é o mais
próximo da dor.
-- A que posso chegar.
-- O muito que
se percebe no calor do sol.
-- Ou no apertar
do frio sangrento.
-- Que entra nos
ossos de minha mãe.
-- Sem a dúvida
de estar doente.
-- Dêem.
-- Assim se
preferem estar à espera.
-- Outra vez.
-- De sobreviver
à desgraça.
-- Que corrói os
ossos todos.
-- Os ossos.
-- E todas as
carnes.
-- Podres por
dentro.
-- Sem que se
veja um nada.
-- Só aparece a
cara.
-- E os olhos.
-- Desses todos.
-- Na frente do
combate.
-- E no velório.
-- Colocadas as
mãos.
-- Uma sobre a
outra.
-- Sobre o peito
mirrado.
-- Mas aí não
está ninguém.
-- Porque a alma
já se foi para lá.
-- E a mãe.
-- A minha.
-- Deixa de si a
vida.
-- Para sempre.
-- E vai na
posse de outra.
-- Não da mesma.
-- E assim não
se curva.
-- Ao mesmo
tempo que se quer.
-- Em frente.
-- No mesmo
espaço de tempo.
-- Esse grito
não se altera.
-- Quem quer que
seja que se amanhe.
-- E a morte das
carnes faz-se tempos depois.
-- Na rua é mais
difícil.
-- Mas vê-se
aquele ali
-- Ao mesmo
tempo que se conforma.
-- E no
movimento de descer e subir é que está a base do princípio.
-- Quem quer que
se exponha tem de principiar por algum lado.
-- Serei eu o
primeiro.
-- E mandarei
esta bolinha de pão para dentro do copo.
-- E depois nada.
-- Não dá para
ver a seguir o que se passa.
-- Uma longe da
outra.
-- Aos primeiros
dias da estação aparece e desaparece a pretensa lucidez.
-- Mas não tem
de ser feminina.
-- Nem masculina.
-- Será a fera
existente no muro pintado.
-- Naquelas
certas horas da manhã.
-- Às escuras.
-- Aprendes.
-- E voltas a
casa num dia certo.
-- Marcas com um
dedo o lugar para voltares e veres.
-- Embora os
polícias rondem tens de dar-lhes um desconto.
-- Porque estão
na hora de trabalho.
Essa rotina de
colar cartazes na parede, em frente do olho que de todo é o primeiro que se experimenta;
e por aí adiante a ver a organização dos processos a subir a escada escura do
prédio; e os olhos estão vazios e cansados.
-- E eu disse sempre
que era assim.
-- Mas eles não
querem saber do meu cansaço.
-- E eu tenho de
fazer alguma coisa.
-- Para me
desembaraçar deles.
-- Eles.
-- E eles mais.
-- São eles mil
vezes.
-- Eles e mais
ninguém.
-- Ao mesmo tempo
não se aprende nada.
-- Mesmo nas
reuniões.
-- Nessas
reuniões colam-se cartazes nas paredes.
-- E pintam-se-lhes
com sprays.
-- Elas são o
lugar da guerra.
-- E de manhã eu
disse-lhes,
-- Tenho de ir
comer qualquer coisa.
-- Ao tempo que
ando nesta reunião.
-- Aprontando os
papéis e os sprays.
-- E eles,
-- E eles mais
disseram-me,
-- (Não é hoje
mas amanhã).
-- E nessa
bondade não há maldade.
-- Nem se
encontra o princípio da coerência.
-- Se me
percebes.
-- E minha mãe
com o coração nas mãos ainda não me viu o dia todo.
-- Estou aqui
numa caixa redonda.
-- Automática.
-- Emprestada.
-- E minha mãe
torce por mim.
-- E ao mesmo
tempo não sei.
-- E deve ser de
não me ter ainda despedido dos meus.
-- Que vindo
para aqui.
-- Para este
lugar.
-- Me estou a
preparar para tudo o que vier depois.
-- E esse outro
vai assim mesmo para trás.
-- E não está
com promessas vãs.
-- Casal amigo
deu de deitar fora a água.
-- Vês como és
egoísta, -- diz ela.
-- Mas não
saberei distinguir muito bem a razão da guerra.
-- Enquanto o homem
está impávido e sereno.
-- Nem sei se
deva emprestar a figura.
-- Essa de
marcha atrás.
-- Não sei das luzes
farruscas da sala capitular.
-- Não sei das
promessas.
-- Como poderei
ver novamente minha mãe?
-- A pensar nela
todos dias.
-- A partir de certo
momento está mais forte do que eu a baixar o centro.
-- Como será se
não vir nada?
-- Que nem de
meu pai estou a ver.
-- E nem de meus
irmãos.
-- Até agora.
-- E depois
passa a ser ao contrário.
Passa a ser o
corredor para o terceiro dia, sentado nos bancos a ver o tempo, e a pretensão
deles de se verem livres de mim; mas sou eu, aqui, outra vez, sempre a precisar
de calma e paciência, pois não há-de ser como eles querem.
-- As minhas
pernas são fortes.
-- E o meu
coração é melhor do que um relógio suíço.
-- Não volto
atrás.
-- Mas isso toda
a gente entende.
-- Ao mesmo
tempo a mulher do casal levanta-se.
-- E o homem vai
atrás.
-- Mas é lá no
fim do mundo que esta vitória se dá.
-- Quem poderia
vê-la a fugir do demónio cortador de carne fresca para o prato?
-- Todo esse
mundo foi dito de outra forma.
-- Está bem.
-- É essa a
maneira do casal morrer afogado no rio mesmo ali.
-- As lágrimas deles
tão afectados pela ambivalência dos dias.
-- Estão aperaltados
os dois.
-- Mas não é
desta maneira.
-- E voltam com
a cabeça entre as orelhas.
-- Amochados.
-- E eu estou-me
marimbando para eles.
-- Outro e outra
são assim acessíveis.
-- Corriqueiros.
-- Não te
penteies ao espelho.
-- Não vás por
aí.
-- O fim está
perto.
-- Todas as
bonanças serão na parte que te couber.
-- Esta é a
primeira vez que acontece.
-- Não.
-- A segunda.
-- O ambiente.
-- Ah, sim.
-- O ambiente
vai de carrinho.
-- Mandamentos estão
escritos em pedra no monte Sinai.
-- E na costa da
Malásia.
Assim, mais
forte, quero estar à espera da pescadinha com o rabo na boca, e não outra, a do
mensageiro que me irá chegar daqui a pouco, para me dar a notícia do nosso
ataque à bomba.
-- Bem feito.
-- Ao casal não se
disse isso.
-- Só mesmo com
automáticas é que conseguimos entrar pela casa trancada à beira da estrada.
-- Só visto.
-- O mensageiro
tem de ter um certo ar respeitável.
-- Na minha
frente só a respeitabilidade é boa para o coração não estourar.
-- Vê grande
macaco o que é o grão-de-bico com bacalhau.
-- Vê bem na
subida da prancha o camaleão, cara de pau.
-- O mensageiro
a cem à hora.
-- Estou à
espera.
Cena
14) Estou deitado no fundo do poço com uma mão no céu e
atrás da morte
-- Do grão.
-- Já que de vez
o dia não a noite se pinta para quem me quer bem.
-- Meu amor de
ocasião.
-- Se tudo me
contar ficará meu coração infinitamente grato.
-- E isso que
podia ser não será assim.
-- Mas a vasilha
derrama.
-- E a água que
corre na valeta escorrega pelos canos todos.
-- Apreendida com
o fim certo.
-- Na manjedoura.
-- Essa e outra
-- A vida.
-- A minha.
-- Em discurso directo.
-- Diz a mesma
verdade.
-- E aí sentada essa
voz vem de trás.
-- Ou do Joni encolerizado.
-- Ali.
-- A mandar
pratos para o chão.
-- Sem ver nada
senão a forma ensanguentada do céu.
-- Esse outrora
descia nas mãos.
-- Mas agora
está inquieto.
-- Na base do
calor.
-- Não está mais
à porta de entrada.
-- Nem meu pai.
-- Nunca esteve
aí.
-- Embora eu
perceba.
-- Ou tente.
-- Mas estar
aqui ou ali não é mais complicado do que parece.
-- Estou num
centro onde não queria estar.
-- E estou
enganado.
-- Ou eu me
engano a mim próprio.
-- Estás lançado
na vida.
-- Vais ver como
é agora.
-- Nada será
como dantes.
-- E todos os
lobos nascem na rua.
-- E tenho de os
transformar em dóceis seres.
-- E viver atrás
deles.
-- Esta cena pode
ser.
-- Mas eu não
queria que assim fosse.
-- Estou deitado
no fundo dum poço com uma mão no céu e atrás da morte.
-- Se ela viesse
cortava-me de tudo e eu poderia sobreviver.
-- Mas não é
assim nesta hora que nunca é de manhã.
-- Estou a
perder o pé mas é porque quero.
-- Uma pipa de
vinho.
-- E o cheiro a toalhas
limpas de papel.
-- E a claridade
que se espalha.
-- Como numa
caverna de luz que semeia a ideia e
salta para fora.
-- Mas não agora.
-- Estou
apropriadamente a ver as minhas mãos.
-- E meu pai na
porta de entrada.
-- Mas está
calado.
-- Como deve ser.
-- E minha mãe
está mais atrás.
-- E tenho que
perceber porque estou rodeado de vazio.
Esse impossível
dentro desta caixa; e não vejo mais o tal casal que entretanto ficou rodeado
por outros roedores da hora do jantar, saídos dos empregos para a grande sala barulhenta;
e de repente nada de novo, a não ser que experimente os olhos ou as mãos ou os
ouvidos.
-- Querendo não
posso.
-- Nem descer a Calçada
que segue para o Poço dos Mortos.
-- Fundo e
pesaroso.
-- Há atrás de
ti uma ideia e outra.
-- E os teus
parentes não estão.
-- E tu estás aí
no meio da sala à espera.
-- Mas não só.
-- E entra alguém
mais o teu irmão.
-- E pergunta,
-- Já comeste?
-- Ainda não.
-- Senta-te.
-- Mas o teu
irmão tem outro sítio para estar.
-- Prefere
correr o mundo dos vivos.
-- O teu irmão
desce do tempo e vai para o sítio dele.
-- Mas continua.
-- E de repente
passa a ser outra pessoa.
-- E a tua irmã
aparece.
-- Estou aqui.
-- Vim de lá.
-- Estou na
escola superior.
-- E estou
noutro quarto além do Tejo.
-- E eu digo,
-- Já agora
acabo.
-- E vou-me
embora.
-- Para trás.
-- Estamos todos
entregues.
-- E eu não sei
mais nada.
-- E eu vou para
trás e ando para a frente.
-- Não estou
aqui.
-- Há um certo
lugar.
-- Um certo tempo.
-- Uma certa
marca de tempo
-- Que deixa de se
saber.
E entras dentro
de ti mesmo sem olhar para o lado, e de repente percebes que se passou qualquer
coisa mas não soubeste de nada, porque não quiseste, ou porque foi assim mesmo;
o meu irmão e a minha mãe estiveram no quarto de minha outra irmã, e depois o
que se passou entre os dois e entre estes dois tempos é mais complicado saber; o
meu irmão e a minha irmã são um mapa de aflição e de ordem, não andando num certo
sentido tudo o mais está perdido, é nesse mesmo tempo que o limite se define e
que não tendo mão nele parece então que sou o centro do mundo e caio numa profunda
guerra com os meus olhos de guerreiro derrotado desde sempre; não tenho a
resposta, apenas quero descansar e abandonar, mas não posso, e era o que eu
queria, não o que eu podia; está seca a fonte e meu pai está na frente de mim
mas não me mete confusão, estou de bem com ele e com todo o mundo, deixo que me
sobrem os dedos; e nesses dias as ruas afogam-se na angústia, e nelas a minha
alma experimenta ficar num mesmo lugar, paralisada, à espera, mas mesmo assim
as minhas pernas continuam a andar, o que me admira muito; estou a perceber que
tenho de andar para trás e recompor-me de tudo o mais, e é essa a decisão que
devo tomar e depois seguir em frente.
-- Aí não
saberei como será.
-- É a desdita.
-- É a primeira
vez.
-- Não tenho
notícias de minha mãe.
-- Ainda agora
mesmo tenho esta decisão metida na cabeça.
-- Sem ter a
certeza de nada.
-- Estou numa
área tão larga que se torna estreita e me esmaga a respiração.
-- Minha irmã está
chegando.
-- Chegou.
-- Está.
-- Mas não sei.
-- Meu irmão está
comigo.
-- Estará.
-- Mas eu não
sei.
-- Minha irmã ficou
lá.
-- Mas eu não
sei.
-- Minha mãe
ficou.
-- Meu pai veio.
-- Mas eu não
sei.
-- A vigia do
tempo está onde deve estar.
-- Devemos
proceder desta maneira.
-- E construir
um modo de cortar este aqui e aquele ali.
-- Os pratos.
-- Quando olho
para o chão da sala estão limpos.
-- E novos.
-- E o estrondo
do choque foi passageiro.
O Joni está
outra vez a dar ordens aos malandros dos empregados, e estes, afogueados,
deixam pingar o suor dos rostos nos pratos, amanhados ali à mão de semear,
enquanto pela Calçada abaixo não se encontram os outros.
-- As forças
correm pelas ruas.
-- No tempo todo
há uma intensa guerra de palavras que entra pela porta dentro.
-- Devia então
preparar-se a terra para receber as colheitas de inverno.
-- Mas pelo
contrário antes deste mês enervo-me.
-- E deixo-me ir
pela Calçada abaixo.
-- Foi ontem
mesmo.
-- As casas
assim mal pintadas com as tintas gastadas.
-- As ervas a
crescer nas varandas e no meio das telhas.
-- E as pessoas
esfarrapadas ao pé das tascas esvinhadas.
-- À espera
dentro duma peça gigantesca.
-- Aí pode ser o
esconderijo.
-- Não posso
estar a ver como será a coisa.
-- Porque este
tempo é mesmo assim.
-- Devo ir para
casa mas não vou.
-- Não quero.
-- E tenho raiva
de quem for.
-- É um tempo de
espera.
-- E eu não sei.
-- Fiquei sem
consciência da minha vida.
-- Apenas quero
ficar a respirar.
-- Sinto que
estou na água.
-- E que me acalcam
para baixo.
-- E eu quero
respirar e não consigo.
-- Estou com
medo.
Cena
15) De eléctrico com ela sentada à janela a caminho de Xotam
-- Não vejo quem
me faz isso.
-- Que
importância tem?
-- Se nesta hora
precisa sou empurrado para baixo?
-- E devo
deixar-me levar nessa direcção do fundo.
-- E em duas
horas acaba tudo duma vez para sempre.
-- Meu irmão
estará em casa.
-- Estamos os
dois no mesmo barco.
-- Mas eu tenho
que me ir embora.
-- Não consigo
aguentar a pressão do afogamento.
-- Eu disse
assim,
-- (Tenho de
recorrer a uma mulher).
-- (Para que me
preste os seus serviços matrimoniais).
-- (Ou seja:
quero foder).
-- Eu não quero.
-- Eu renego
tudo.
-- E mais umas
botas.
-- Não uso outra
linguagem.
-- A não ser
esta mesma interdita.
-- A todo o ser existente
à face da terra.
-- Neste ponto
recebo a notícia de que tenho de me ir embora o mais cedo possível.
-- Mas terei de
dizer ao meu irmão.
-- Ou ao meu pai.
-- Ou à minha
mãe.
-- Custa a saber.
-- A perceber.
-- É preciso.
-- Mas eu não
quero.
-- Vou esquecer.
-- Vou saltar
por cima de tudo.
-- E fazer o que
tenho de fazer à minha custa.
-- E de mais
ninguém.
-- Obras de
grandes feiticeiros as doenças são intrigantes.
-- Se fosse por
isso não dizia nada a ninguém.
-- E deixava-me
afogar.
-- E depois não
descia nem subia.
-- Era como eu
quisesse.
-- Terra de
miradouros.
-- Desce o tempo.
-- E sobem na outra
margem todos os caminhos.
-- Isso mesmo.
-- O casal.
-- O tal que ali
está.
-- Esse que me
vai balizar.
-- Estarei o
tempo todo fixo nele para saber o dia e a hora de começar.
-- Eu dizia,
-- Esse tempo de
acabar está aqui para começar.
-- Tem sido a
entrada nas casas velhas para dar a ganhar nada.
-- Tem sido o
papel do jornal.
-- E tem sido o
tipo a querer vender-mo.
-- E tem sido
fugir ao dia.
-- E correr
atrás da miséria.
-- E de fazer o
frete a mais alguém.
Está tudo como
deve ser, e eu estou olhando para o muro, e vejo na minha frente um sujeito de
bigode, que é o Xotam, mas ele não está na minha frente, pois anda escondido a
mandar-me tarefas para cima do lombo e eu não sei; e parece-me que é assim, mas
devo estar a dormir, de certeza; e um vulcão está a cair na minha cabeça, com
os meus parentes sem serem meus.
-- Não sou eu.
-- Não estou.
-- Apercebo-me
da força.
-- Mas não tenho
força.
-- Estou a querer
subir à superfície.
-- E esse Xotam
é um tipo cheio de mistério.
-- E isso está a
passar-me ao lado.
-- Os mistérios
todos estão a dar cabo de mim.
-- Mais para o
lado que para dentro.
-- Não oiço.
-- Não sei.
-- Tal a minha
ignorância.
-- De todos os
dias.
-- As tarefas
têm um dia marcado.
-- Não estamos
bem.
-- E temos uma
existência perdida.
-- E estamos bem
se formos santos de nosso senhor.
-- As tarefas
são como uma teia paralela.
-- Essa tem sido
a minha vida cheia delas.
-- Lançadas por
Xotam.
-- E nesse ponto
da história ninguém quer mais saber de nada.
-- (Meu pai
ajude-me a sair deste buraco).
-- (Deste poço
de água).
-- Isso gostaria
de dizer.
-- Os meus lábios
não se abrem.
-- Continuam
assim até ao fim do mundo.
-- Porque não te
deixas correr?
-- Porque não te
largas de ti mesmo?
-- Com um feitio
arrenegado.
-- Uma coisa que
está presa a si mesma.
-- Ao sacrifício
de si mesmo.
-- Quero estar
perto.
-- Quero dar
tudo para me livrar.
-- Mas não me
livro desta praga.
-- Nem dos
passos abafados do corredor.
-- O outro Adiposo
pode ser que se me esconda no muro das transacções.
-- Pode ser
assim mesmo.
-- Talvez me
invente a mim próprio ou me deixe disso.
-- Não tenho
essa consciência.
-- A mesma que
salte fora.
-- E deite no
lixo as grilhetas onde vou.
-- Onde meu pai
e minha mãe vão.
-- Eu culpo-os
por isso mesmo.
-- Culpo-os.
-- E no entanto desculpo-os.
-- Que não sei
como há-de ser amanhã.
-- Talvez na
próxima viagem que terei de fazer de volta.
-- Não.
-- Eu culpo-os
mas não quero culpá-los.
-- Eu deixo-me
estar amarrado e não quero.
-- Eu estou
solto.
-- Eu estou mas não
sei onde.
-- Preso pelo
tempo.
-- Preso por
nada.
-- Mas tenho de
me prender a alguma coisa.
-- Para estar
presente aqui mesmo.
-- Com uma mão agarrada
à borda.
-- Para não ir
ao fundo.
-- E no entanto
a força é muita.
-- Que não
consigo vencê-la.
-- Já estou
agoniado.
-- E posso
perder os sentidos.
-- E é aí que
acaba tudo mesmo.
-- Terrível
situação sem controlo de nada.
-- Não é verdade.
-- Não me digam
isso,
-- Não me protejam.
-- Antes
matem-me.
-- É melhor que
seja desse modo.
-- Os Adiposos
estão nas calmas
-- Com as
ferramentas de abrir latas a vigiar não se sabe quê ou quem.
-- No entanto.
-- Se esse tempo
está inscrito neste tempo mais invisível do que parece as tarefas podem esperar.
-- Mas não
esperam.
-- É por isso
que estou a perceber alguma coisa.
-- E isso que
percebo é a imprecisão das formas.
-- Que não há.
-- Vagueiam entre
si com errantes pensamentos.
-- Dum dia para
o outro atrás de mim.
-- (A minha
missão aqui tem uma importância muito grande), -- diz-me Xotam todas as vezes
por interposta pessoa.
-- Eu acredito.
-- Mais temos de
fazer.
-- Na minha
cabeça é isso que anda à roda da lua.
-- Com os movimentos
solitários.
-- Estou a perceber
essas voltas gigantes.
-- Mas muito bem
pela Calçada descendo.
-- Rolando a dar
no Poço dos Mortos.
-- Uma mão atrás
de nada.
-- Eu digo,
-- (Vamos ali).
-- A roda está
na garantia.
-- Sim.
-- Vamos os dois.
-- Muito bem.
-- Eu ao lado
olho por cima do ombro dela.
-- Mas ela é
mais alta do que eu.
-- O que é que
achas que façamos?
-- Não sei.
-- Temos que ir
a casa de Xotam.
-- Para sabermos.
-- Está bem.
-- Então vamos.
Tomamos o
eléctrico e partimos, sentados no mesmo banco, e ela sentada à janela; e assim
desliza o eléctrico para a casa de Xotam, e foi nessa altura que eu vi as suas mãos,
não os dedos brancos; e assim, muito juntas, as mãos em cima do regaço; e
dentro do eléctrico, o silêncio daquelas pessoas a olhar, vagamente, para a frente
e para os lados, e para os navios atracados nos cais da beira-rio, enquanto as
casas correm pelas suas vistas para a casa de Xotam, sem dizer-se nada; mas a
rua foi fechada nessa hora, precisamente na altura em que estou aqui, nesta
sala de jantar, nessa hora maldita; e ela também, de rosto fechado.
continua...
continua...
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